Parece que foi ontem… Eu, já com carteira de motorista e dirigindo, fui com meu irmão ao cinema do Amazonas Shopping assistir a Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado. Jovem, já gostava de terror e tinha uma mega crush pela Jennifer Love Hewitt (Talvez ainda tenha? Que a minha namorada não leia isso). Gostei do filme, foi uma agradável tarde no cinema.

Hoje, esse filme traz inegáveis memórias nostálgicas para quem foi jovem na década de 1990 e viveu aquela fase do cinema de terror pós- Pânico (1996) de Wes Craven. Depois de toda a ressaca dos anos 1980, do estrelato e declínio de Jason, Freddy e Michael Myers, os slasher films – aqueles dominados por um assassino matando adolescentes – pareciam que iam voltar. Mal se sabia, na época, que esse retorno tomaria formas diferentes e que Eu Sei… representaria um dos últimos slashers dotados de uma simplicidade, um retorno agradável e despretensioso à formula dos anos 1980, mas com valores de produção melhores e um elenco de jovens atraentes prontos para despontar no cenário de Hollywood.


Os slashers pós-Pânico

Pânico foi um terremoto dentro do gênero terror. As coisas nunca mais foram as mesmas, especialmente dentro do subgênero dos slashers. De repente, não adiantava mais apenas repetir as fórmulas do passado, era preciso alguma maneira de inovar narrativamente ou trazer algo que as plateias ainda não tinham visto antes. Humor, bons atores, referências para o público e surpresas narrativas passaram a ser requisitos obrigatórios para quem se aventurasse nesse subgênero. Mas demoraria um pouco até Hollywood aprender essa lição…

De fato, depois de Pânico posso traçar dois caminhos distintos para os slashers. O primeiro foi o das refilmagens: muitos dos grandes sucessos “mata-adolescente” do passado foram refeitos para as novas plateias. Algumas foram muito bem nas bilheterias, como O Massacre da Serra Elétrica (2003), A Casa de Cera (2005), Sexta-Feira 13 (2009), Dia dos Namorados Macabro (2009) e a versão de Rob Zombie do clássico Halloween (2007). Já outros foram rejeitados pelo público, como Natal Negro (2006), remake do cultuado Noite do Terror (1974), e a tenebrosa – no pior sentido – nova versão de A Hora do Pesadelo (2010). Mas o melhor destes remakes foi, sem dúvida, Viagem Maldita (2006) de Alexandre Aja, releitura do polêmico Quadrilha de Sádicos (1977) do mesmo Craven que realizou Pânico – um caso raro de refilmagem que supera o original.

Quando saímos dos remakes a história fica mais interessante… Podemos observar a tendência à inovação que marcou esse subgênero após a reinvenção de Pânico. Nos Estados Unidos, com o tempo começamos a ver experiências interessantes. O próprio Rob Zombie, antes do seu polêmico Halloween, fez o seu melhor trabalho com Rejeitados pelo Diabo (2005), homenagem ao cinema dos anos 1970 com toques de slasher que, curiosamente, fez da sua família de psicopatas os “heróis” da história. Tudo por Ela (2006), produção pequena e pouco vista e que só foi lançada nos EUA depois que a atriz Amber Heard ficou famosa, subverteu as expectativas do gênero, aproximando a heroína virginal e o vilão da história. E o diretor Adam Wingard fez duas divertidas homenagens aos slashers com Você é o Próximo (2013) e O Hóspede (2014): ora mostrando uma heroína muito mais forte e esperta que os assassinos, ora fazendo-nos torcer pelo vilão, ambos os longas divertem ao virar de ponta cabeça os clichês e os elementos já vistos mil vezes antes.

E ao redor do mundo, outros filmes usaram a estrutura rígida dos slashers para surpreender o público, seja com intensidade ou com inovações narrativas. O britânico Sem Saída (2008), com um ainda pouco conhecido Michael Fassbender no elenco, e o australiano Wolf Creek: Viagem ao Inferno (2006) traumatizaram espectadores com seus vilões muito humanos fazendo suas vítimas em locais remotos. E a onda de filmes extremos da França deve muito aos slashers: o próprio Alexandre Aja despontou com Alta Tensão (2002), que começa como slasher e termina com uma reviravolta de roteiro que pode fazer você aplaudir a experiência ou jogá-la fora por completo. Outros filmes como Eles (2006) e A Invasora (2008) também usam elementos do subgênero e os levam em direções bastante inesperadas, surpreendendo o publico com um nível de brutalidade que faz o Jason parecer um escoteiro.

A inovação nos slashers culmina em experiências como O Segredo da Cabana (2012), releitura dos clichês sob uma ótica que mistura ficção-científica e mitologia, Amizade Desefeita (2016), com um “espírito” matando adolescentes via chat on line, e o recente sucesso A Morte Te Dá Parabéns (2017), mistura de slasher com Feitiço do Tempo (1993) e elementos de viagem temporal. É, hoje em dia não basta mais ter apenas um assassino com máscara legal.


E onde se encaixa Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado?

Esse filme demonstra como Hollywood muitas vezes apreende lições erradas dos seus sucessos. Depois de reinventar a roda com Pânico, o roteirista Kevin Williamson quis fazer um slasher tradicional com Eu Sei… Seu objetivo era claro: Construir, com base na ideia do livro da autora Lois Duncan, um suspense que abordava o tema da responsabilidade, sobre como jovens têm problemas em lidar com esse conceito, e colocando-os contra um assassino misterioso e de visual impactante – um longo casaco de borracha e chapéu de pescador, com um gancho na mão. Tem até um feriado na história: Eu Sei… se passa no 4 de julho americano, obviamente uma referência a vários slashers do passado ambientados em datas especiais. Era um filme despretensioso que foi elevado, na visão da indústria, pelo sucesso de Pânico.

Mas o público gostou do que viu: O elenco jovem e saído da TV e a época favorável ao terror fizeram Eu Sei… arrecadar 125 milhões de dólares no mundo todo. Por isso Hollywood achou que a fórmula “atores jovens e bonitos da TV + assassino” era receita para o sucesso. Nos anos seguintes, foram lançados Lenda Urbana (1998) e sua sequência, a ridícula continuação Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1998) – nem todo mundo sabe, mas teve uma terceira parte, Eu Sempre Vou Saber o que Vocês Fizeram no Verão Passado (2006), lançada direto para o DVD e sem ninguém do elenco dos anteriores. Até o Michael Myers retornou com Halloween H20: Vinte Anos Depois (1998), com roteiro de Williamson e a estrela Jamie Lee Curtis dividindo a tela com os jovens Josh Hartnett e Michelle Williams. Já o fracasso de O Dia do Terror (2001) pôs fim a essa tendência, e logo os slashers em Hollywood entrariam no esquema das refilmagens.

Então, hoje, rever Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado é uma peça nostálgica para gente da minha geração, um filme muito ligado a esse momento transicional dentro do gênero. Algumas coisas o deixam datado instantaneamente – lembram-se de quando a Anne Heche parecia que estava em tudo quanto era filme? Outras se tornam curiosidades – Ei, a primeira vítima trucidada pelo gancho do pescador é o Johnny Galecki, o Leonard de The Big Bang Theory! É bom, de vez em quando, fazer essas viagens nostálgicas, mas com moderação, afinal de contas muitas das coisas do passado, quando revisitadas, pioram bastante. Eu Sei… continua um filme apenas ok, razoável, nada além disso. Mas a Jennifer Love Hewitt, ah, eu continuo olhando para ela, meio hipnotizado. Maldita nostalgia.