Ao fim da III Vernissage de Cinema, que trouxe uma mostra de filmes de terror amazonenses, confesso que fiquei em dúvida sobre o que escreveria aqui. Pois ao contrário do que aconteceu em outras oportunidades que pude assistir ao que é produzido em Manaus, neste evento vi uma série de trabalhos ‘verdes’, repletos de imperfeições que vão muito além da parte técnica, muito além da falta de dinheiro para produzir, faltas de equipamentos e coisas do tipo. Trabalhos pouquíssimos inspirados, não muito criativos, que denotam até, em casos mais latentes, uma grande falta de sensibilidade para tornar o que é visto impactante, visto que o gênero de terror exige isso.

Até pensei que poderia ser injusto colocar tudo isso aqui nesse espaço, que talvez fosse melhor ignorar os problemas vistos e se focar no esforço que esses realizadores tiveram para realizar estes trabalhos, e etc.

Mas não, não posso fazer isso por dois motivos. Primeiro porque, apesar de parecer cruel o que vou dizer, não me importa muito (pensando como público) o que a equipe sofreu para realizar o trabalho, o quanto se sacrificou e se esforçou. Se o resultado não for satisfatório, não foi satisfatório! Cabe a equipe do trabalho ter senso crítico, observar o que foi feito de maneira não apaixonada e dizer, bem, apesar do nosso esforço não podemos apresentar este trabalho porque ele ainda tem uma série de problemas elementares, mas tudo bem, estamos começando, aprendemos com nossos erros, e não faremos isso numa próxima vez. Porque se o trabalho foi colocado para uma audiência, essa audiência não tem que ter esse equivocado sentimento paternalista.

O segundo motivo é que isso seria injusto com todos os outros realizadores que tiveram as mesmas dificuldades e conseguiram passar por cima disso! É injusto com o Rummenigge Wilkens, Rod Castro, Leonardo Mancini, Francis Madson, Rafael Ramos, Rafael Lima e outros, estabelecer outros padrões para analisar os filmes desta III Vernissage porque não é legal criticar o trabalho de nenhum realizador amazonense porque isso pode desestimular a produção local, que já começa a dar resultados.

O que proponho aqui é um pacto de maturidade, de iniciar uma discussão que não tem a intenção de desestimular nem desrespeitar ninguém, pra que haja uma evolução verdadeira para todos os envolvidos, tirando de uma vez por todas a possibilidade da existência de um discurso vitimizado que diz que sofremos pela falta de dinheiro, estrutura, equipamentos e etc, porque dessa maneira apenas se seguirá fazendo filmes por diversão, abrindo caminho para que novamente viva-se a ingenuidade de que o que se faz dessa maneira já está ótimo e não é necessário fazer mais que isso.

Proponho um maior interesse em estabelecer uma visão que irá buscar a possibilidade de vivermos uma realidade em que o cinema será encarado e produzido de maneira profissional, com substância e personalidade.

E também por isso, aqui não serão avaliados os trabalhos Medo e Do Além, oriundos do projeto Jovem Cidadão, pois o caráter dessas produções é diferente dos demais, visando mais o aprendizado e a prática do fazer cinematográfico, fazendo com que uma análise neste local tornasse-se injusta e sem propósito.

ESPÍRITO SÁDICO

Espírito Sádico trata-se de um experimento que nem sei dizer muito bem qual seria o gênero mais indicado para enquadrá-lo, embora isso não tenha sido pensado de maneira proposital pelo seu diretor, roteirista, produtor, protagonista, diretor de fotografia, montador e diretor executivo, Tony Lee Jr. Fica evidente a intenção de Lee de mostrar que o seu filme é de terror, com uma proposta que tenta dizer que se trata de um filme “real” visto que o próprio protagonista é quem opera a câmera, e diz pra ela tudo o que se passa com ele. Mas isso é feito de uma maneira desencontrada. O tal espírito aparece num pedaço de papel, certo momento, e depois é dito que ele apossou-se do personagem, mas quando, como foi isso? A atuação de Lee é extremamente inexpressiva, não dá pra ver nenhuma diferença do antes e depois do espírito. O ritmo do filme é extremamente problemático, sendo desnecessariamente longo e entediante, sem contar o fato do personagem dizer as ações que vai fazer o tempo todo (olha, um papel, vou pegar o papel, vou abrir o papel, vou ver o que está escrito no papel…), além das legendas completamente desnecessárias, subestimando a inteligência do público. E é injustificável Lee dizer no debate que trata-se de um filme experimental. Me desculpe, mas de experimental esse filme não tem nada, ele é apenas desencontrado e equivocado nos seus princípios mais básicos.

NOTA: 1,0

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CARNE VIVA

Se Espírito Sádico já é repleto de problemas, nada se compara ao caos que é Carne Viva, filme novamente de Tony Lee Jr. Aliás, nem sei dizer se entendi a trama. Parece-me que um homem mata a sua mulher e filhas, e outras duas mulheres levam os corpos delas para um matagal e lá o homem mata essas duas mulheres também, mas esse tal matagal é místico e elas ressuscitam para pegá-lo. Me perdoem mas tanto faz pra onde a trama vai, pois da metade para o final o filme explica o destino de todos os personagens através de legendas na tela! Literalmente isso! E Lee afirmou no debate que não tem muito cuidado com os cartões de memória em que grava os seus filmes, e que perdeu a gravação, por isso o filme tinha tanta legenda, inclusive com erros absurdos de português. Somando isso a uma trilha sonora que de tão desencontrada parece que foi colocada aleatoriamente no filme, e das atuações caricaturais, o filme de Lee alcança um humor involuntário, tornando o que é visto uma comédia. Mas mesmo com esse ponto de visto, é uma comédia bem ruim. Carne Viva e Espírito Sádico até podem vender um ar trash, mas isso não é verdade. São filmes toscos, mal feitos, produzidos de qualquer maneira, o que é completamente diferente de ser trash.

NOTA: 1,0

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ORAI PELAS ALMAS

Dividido entre documentário e ficção, o trabalho dirigido por Daniella Lima conta a interessante história de um famoso ponto turístico de Paricatuba, que anos atrás foi um presídio, e, na sequência, um leprosário. A equipe do filme, formada por acadêmicos da Universidade Federal do Amazonas vai até o local, entrevista moradores e autoridades que dominam o assunto. Já na parte final, a obra estabelece uma linha ficcional, legitimada pelos depoimentos vistos anteriormente. Sem dúvida nenhuma, a primeira metade mostra-se superior à segunda, pois os enquadramentos, bem como a iluminação e até mesmo o conteúdo dos entrevistados garantem um tema interessante. Porém, na parte ficcional, pela falta de bons atores e por ter sido filmado todo a noite, o filme cai muito por suas deficiências técnicas e acaba diminuindo o impacto da boa primeira metade. Ainda assim, o trabalho mostra interessante dignidade por parte de seus realizadores, que certamente prometem melhores produções no futuro.

NOTA: 5,0

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KIM

O trabalho de Fernando Henrique apresenta um interessante potencial, tem uma trama que tinha tudo pra ser impactante, deixando o espectador grudado na cadeira, vidrado na tela… mas consegue ser muito entediante. O filme apresenta uma falta de ritmo impressionante, fazendo com que até mesmo as cenas de tortura, que tinham tudo para ser muito impactantes, tornassem-se indiferentes ao público. A montagem do filme é muito errônea, com planos desnecessariamente longos, bem como a trilha sonora que não consegue criar atmosfera. Somando isso às falhas recorrentes de iluminação, com imagens granuladas, Kim mostra-se como um filme de potencial, que foi sabotado por tantos problemas.

NOTA: 3,0

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SEGREDOS DE HELLEN

Pode-se dizer que Segredos de Hellen, de Igor Matheus, é o filme com a cara mais próxima do profissional dos filmes desta Vernissage, o que não impede que ele também esteja repleto de problemas. O roteiro é o principal deles, contando com uma didática e expositiva narração em off, além de optar por decisões simplistas, que não dão densidade aos personagens. Mesmo trazendo atuações que mais se aproximam de um nível satisfatório, a forma como tudo é solucionado deixa no ar a impressão de que o filme é decepcionante por não ter ousadia e interesse em contar uma história que nunca foge do senso comum.

NOTA: 3,5