Finais são difíceis. Um final bom pode perfeitamente coroar a experiência de assistir ao filme – que o digam finais como os de Touro Indomável, Antes do Pôr-do-Sol, Os Outros ou O Poderoso Chefão – ou até mesmo salvar um filme meia-boca do esquecimento por conta de um término marcante. Mas e quando o final é ruim? A experiência é marcante pelos motivos errados: que tal destruir tudo o que você tinha gostado em duas horas de filme em, digamos, cinco ou dez minutos? É como deixar uma sobremesa horas no forno e depois jogar sal em cima do doce (a Sandra da primeira temporada do MasterChef Brasil que o diga).
Por isso, listamos hoje sete exemplos de filmes que tinham tudo para dar certo – até que, nos últimos minutos, eles decidiram nos irritar e escolher os piores finais possíveis. Não precisa nem dizer que vai ter spoilers, não é?
1. A.I. – Inteligência Artificial
A.I. – Inteligência Artificial (2001) é um daqueles projetos que, num mundo ideal, Stanley Kubrick teria tido a oportunidade de concluir como gostaria. Mas o mundo real não é fácil e o filme acabou sendo “herdado” por Steven Spielberg, que fez o que ele sabe fazer melhor em blockbusters: enfiou um final feliz à força no filme.
Em A.I., o menino-androide David (Haley Joel Osment, por onde anda?) parte em busca da Fada Azul (a da história do Pinóquio) para que ela o transforme em humano e, assim, sua “mãe” humana possa amá-lo como um filho. Na versão de Kubrick, obviamente essa busca estaria, no mínimo, destinada ao fracasso. Mas Spielberg preferiu chamar Meryl Streep para fazer uma breve aparição como uma Fada Azul tecnológica duzentos anos depois e dar ao garoto-robô um dia de felicidade com um clone da mãe. Basicamente, meia hora final de filme que não condiz com todo o desenvolvimento que veio antes. Talvez nem se qualifique como um final “feliz”, mas certamente é um toque de conto de fadas desnecessário.
2. O Advogado do Diabo
Al Pacino como o capeta em pessoa, tem como ser melhor? Na verdade, tem sim.
O Advogado do Diabo (1997) passa boa parte do tempo mostrando a descida do advogado Kevin Lomax (Keanu Reeves) ao inferno, metafórico e literal. O bom-moço corrompido, atraído pela vaidade e ambição. E tudo isso pra quê? Para nos últimos minutos descobrirmos que o personagem de Al Pacino é mesmo o capeta (até aí nenhuma novidade), que Kevin é seu filho e que ele quer gerar o Anticristo. E daí Keanu Reeves se mata e volta tudo ao início, com Charlize Theron viva ao seu lado, como se nada tivesse acontecido. Um final digno do infame clichê “foi tudo um sonho”.
3. Guerra dos Mundos
Olha só Spielberg marcando presença novamente na lista.
Guerra dos Mundos (2005) sofre de um problema similar ao de Inteligência Artificial: a necessidade de forçar um final feliz. Primeiro, temos a resolução da invasão dos aliens: todos os Tripods são derrotados simplesmente por não resistirem às bactérias da Terra. Ok, essa é também a solução encontrada por H.G. Wells em seu conto original, mas no filme de Spielberg soa apenas como um grande anticlímax. Como se não bastasse, Tom Cruise consegue levar a filha Rachel (uma pequena e escandalosa Dakota Fanning) em segurança à casa da ex-mulher, e eis que o filho perdido surge do nada, são e salvo, para reunir a família feliz. Por que não?
4. Sinais
Junto com Guerra dos Mundos, Sinais (2002) é a prova de que alienígenas deveriam fazer uma pesquisa de campo e se informar melhor sobre o planeta antes de decidirem invadir a Terra.
Vítima de seus próprios plot twists desde O Sexto Sentido e Corpo Fechado, M. Night Shyamalan investe horas num suspense crescente com a ameaça alienígena para, enfim, resolver tudo com… água. No final, os aliens invadem a casa de Mel Gibson e raptam seu filho, e são então derrotados por um taco de beisebol e muitos copos d’água – solução inspirada por um flashback da esposa morta que, aparentemente, previu tudo. Ué, quando eles estavam pousando na Terra não chegaram a reparar que 75% da superfície do planeta era feita de água? Custava consultar o Google, ETs?! Além disso, no fim das contas era tudo uma metáfora para a retomada de fé do pastor vivido por Mel Gibson. Seriam os aliens missionários?
5. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
Com mais esse título, Steven Spielberg já pode pedir gol no Fantástico (ainda existe isso?) e também temos mais um final estragado por: aliens. Quase todo um novo subgênero.
Com exceção da vilã canastrona vivida por Cate Blanchett, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) até consegue se manter como uma aventura divertida e à altura dos filmes anteriores da saga. Isso pelo menos até o final, quando os alienígenas resolvem aparecer e fazer uma pequena intervenção mística no filme, inclusive explodindo a cabeça de Blanchett no processo – e dando vontade de explodir a nossa.
6. Identidade
O Caso dos Dez Negrinhos é uma das melhores obras da “Dama do Crime” Agatha Christie. Embora não seja uma adaptação direta, o suspense Identidade (2003) empresta praticamente toda a estrutura da novela policial de Christie, jogando dez personagens em um motel e plantando a sementinha da discórdia entre eles de que alguém ali é um assassino. O resultado é um suspense eficaz e à altura da escritora, pelo menos na maior parte do tempo.
Porém, para poder surpreender o público com um plot twist chocante, o roteirista Michael Cooney resolveu que tudo se passaria na mente de um psicopata. Todos os personagens não existem, e na verdade são personalidades criadas por um serial killer em julgamento, que sofre de um grave transtorno dissociativo de identidade. E, como plot twists nunca são demais, quando acreditamos que a tal “personalidade assassina” está morta, descobrimos que o tempo todo o psicopata era a criança na mente dele, e que agora assumiu total controle. Não que faça algum sentido, mas quem se importa?
7. Os Pássaros
Preenchendo a cota de clássicos na lista, Os Pássaros (1963) é mais um dos suspenses marcantes do mestre Alfred Hitchcock. Talvez marcante até demais, por um lado.
Depois de muito importunarem a vida alheia atacando de todas as direções possíveis, os pássaros resolvem simplesmente parar no fim do filme, sem maiores explicações. Enquanto isso, o carro com a protagonista vivida por Tippi Hedren e a família de Rod Taylor se afasta e foge da cidade, sob o olhar atento dos pequenos matadores alados. E pronto, acabou. Se você esperava algo a mais, vai continuar esperando, mais de 50 anos depois. O anticlímax definitivo.
Não acho que Pássaros tenha tido um final ruim. Ao contrário de A.I. por exemplo, o filme não muda de tom: os bichos atacam do nada e param de atacar do nada. E o fato da razão disso não ser revelada a nós, espectadores, nos aproxima demais da sensação de incerteza que domina os personagens. A cena deles entrando no carro sob o olhar atento das aves é tensão pura. Esperamos um novo ataque e uma explicação, ansiosos por um bom e velho final hollywoodiano, mas ficamos a ver navios, se perguntando o que terá acontecido ou se acontecerá de novo. Exatamente como ficaram se perguntando os personagens do filme e da cidade costeira atacada por pássaros nos idos dos anos 50 (Hitchcock se inspirou num caso real).
A verdade é que a internet plantou na cabeça de todo mundo que pode ser crítico de cinema sem qualquer instrução para tal.
O final de Identidade é muito inteligente. Saiu do clichê de “assassino matando por aí” para virar uma excelente luta entre personalidades distintas de uma mesma pessoa, em que apenas uma quer dominar o corpo do seu “hospedeiro”. É genial. Quem tem múltipla personalidade acho que pode ter mais capacidade de julgar esse filme do que nós.
E essa crítica ao final de Os Pássaros é a prova de que estamos fadados a querer tudo mastigadinho. Críticas é fácil, mas querer levantar a própria hipótese é difícil. Pense se fosse real: se todos os pássaros atacassem os humanos e, de repente, parassem. Algumas pessoas poderiam ter ideia da verdade, mas a maioria não. Aquilo é na visão daquelas pessoas, que queriam apenas sobreviver.
Preguiça de pseudocrítico.