Se há uma impressão que há de marcar o gênero terror no cinema quando cinéfilos e teóricos de um futuro não muito distante olharem para trás, é a de que o medo na virada do século XX para o XXI é algo mediado. Os sustos giram em torno de criaturas malignas que se libertam de fitas VHS, saem rastejando de dentro de aparelhos televisores e dão susto, em grande parte, por canalizarem as características do documentário e das imagens caseiras. “A Forca” é um amálgama de tudo isso, para o bem e para o mal.

O filme possui um orçamento modesto se comparado aos grandes lançamentos recentes de seres animados e super-heróis: US$ 100 mil dólares. A verba foi investida na produção de uma obra que segue os moldes do found footage, ou vídeo amador, que ganhou o mundo com “A Bruxa de Blair” e já foi copiado à exaustão por filmes dos mais variados gêneros.

No caso de “A Forca”, a trama gira em torno da reencenação de uma peça teatral numa escola. Em sua primeira versão, encenada 20 anos atrás, o jovem Charlie Grimille (Jesse Cross) é acidentalmente enforcado durante a apresentação.

A nova versão da peça traz Reese Houser (Reese Mishler) encarnando o mesmo papel de Charlie, enquanto seu amigo Ryan Shoos (Ryan Shoos) o filma. Reese topa a sinistra empreitada por estar apaixonado por Pfeifer Ross (Pfeifer Brown), que participa da montagem da peça. Ryan e sua namorada, Cassidy Spilker (Cassidy Gifford), armam um plano para destruir os cenários durante a noite, pois sabem que Reese só participa da montagem para se aproximar de Pfeifer, e é a partir daí que o terror de fato começa.

Cena de A Forca (Charlie Charlie)

Listar algumas das situações que acontecem na escola a partir daí seria um grande spoiler, uma vez que praticamente tudo que acontece já é bastante previsível. Com isso, “A Forca” não consegue decidir se é um filme que trabalha com as referências do gênero terror, em especial seus expoentes mais atuais, ou se é um filme sem criatividade. Ironicamente, a distribuição de grande alcance feita pela Warner aconteceu por influência de Jason Blum (“Atividade Paranormal”, “Ouija: O Jogo dos Espíritos”) como produtor.

A fixação com o registro

Nesse sentido, há momentos curiosos que emulam a fixação atual com o registro audiovisual do eu e o trabalham a favor do terror. A “selfie” de Cassidy, ou a referência à cena de “A Bruxa de Blair”, em que o medo maior está no close voltado ao rosto feminino, que simplesmente chora a iminência da morte, bem mostram isso. São lampejos que o filme dá, nos quais os realizadores lembram que mais que monstros ou mortes, o que realmente dá medo é sentir-se na pele do personagem fragilizado.

O susto, nos momentos mais inspirados do filme, apela unicamente ao emocional do espectador, e por isso se torna mais impactante. Ou se tornaria, se as referências aos demais filmes fossem menos explícitas, o que cai novamente na dúvida já apontada aqui: estamos no terreno da intertextualidade ou da repetição? Falta sutileza na direção mais ou menos estreante de Travis Cluff e Chris Lofing para que o retrabalho das referências resulte num produto final mais bem sucedido como um “Invocação do Mal” (2013), que tanto bebeu da fonte do supremo “O Exorcista” (1973).

Dito isso, “A Forca” parece ser o tipo de filme que, por si só, é entretenimento sem grandes consequências. Os elementos propositadamente assustadores que surgem de forma inesperada na tela, a porta que não abre, a música que sobe indicando o perigo iminente, enfim, os vários elementos que os fãs de filmes de terror conhecem de cor e salteado estão ali, apoiados pelo estilo câmera na mão e aparente espontaneidade dos mockumentaries, que bailam entre as características do documentário mais tradicional e o simples vídeo caseiro.

Porém, observado num contexto maior, “A Forca” é um filme sintomático. Ele suscita uma reflexão sobre como o medo das gerações mais recentes é como todos os outros aspectos da vida contemporânea: obcecado pelo registro e pela imagem, calcado numa tentativa constante de passar uma determinada imagem ou ideia que, quase sempre, é menos do que aparenta ser por sua apresentação, e que busca ser significativo pelo simples fato de estar numa foto ou vídeo.

Curioso também que o vídeo viral de “A Forca” tenha sido mais impactante que o filme em si, fortalecendo como o conteúdo parece menos interessante que a embalagem. O chamado “Charlie Charlie Challenge” fez crianças verem o demônio em escolas mundo afora e gerou discussões acaloradas nas redes sociais, mas o mesmo não se pode dizer do filme. O terror já arrecadou milhões em lucro, um negoção para a Warner, que tinha em mão originalmente um filme de baixo custo de produção, mas não agradou tanto quem assistiu a ele.

Dessa maneira, a tia medrosa, o adolescente a fim de apenas zoar com os amigos numa sessão de cinema ou o casal que busca uma desculpa para estar no escurinho e dar uns amassos entre sustos já tem programa certo no cinema essa semana; já os fãs de terror mais interessados pelo filme em si podem esperar outra oportunidade para se assustarem.

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