É quase um catálogo de clichês sobre os Estados Unidos: o filme é um western, o gênero cinematográfico americano por excelência, revisitado; sua trama é marinada na tradição noir, inclusive com a presença da indefectível mulher fatal; e sua paisagem, física e moral, é a das pequenas famílias de classe média do interior do país, cheias de segredos tumultuosos e inconfessáveis.

Esses, no entanto, são os ingredientes do caldo explosivo que é a A Fuga, a primeira incursão hollywoodiana do diretor austríaco Stefan Ruzowitzky, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008 por Os Falsários, e que é ao mesmo tempo eletrizante e cansativo – um saldo infeliz, já que o diretor tinha elementos e ideias para fazer uma obra memorável.

No primeiro ato, A Fuga é enxutíssimo e exemplar: Addison (Eric Bana) e Liza (Olivia Wilde) assaltaram um cassino e precisam dirigir até a fronteira canadense. Após um incidente banal, porém, eles perdem o transporte e precisam, cada um, seguir seu caminho: os dois são irmãos, e Addison, que planejou o assalto, não quer colocar Liza em risco. Addison é implacável, e vai usar de violência quase rotineira durante seu percurso; já Liza, apesar de pretender-se fria e calculista, revela sua fragilidade ao se envolver com Jay (Charlie Hunnam), outra vítima – nada inocente – das circunstâncias: um ex-campeão olímpico de boxe que acabou de sair da prisão, e, num desenrolar desastroso dos fatos, matou seu antigo empresário.

Até esse ponto, o filme é tenso, frenético, quase sufocante. A partir do envolvimento entre Liza e Jay, porém, A Fuga se torna um exercício de frustração, já que as excelentes tramas paralelas desenvolvidas até ali se tornam previsíveis, e a condução segura do diretor de repente desembesta numa afobação inexplicável. Quando o final chega, na carregada sequência da casa dos pais de Jay, você até esqueceu que o filme tinha aquele começo empolgante.

Quem não deixa a peteca cair de vez, no entanto, é o elenco: Eric Bana, que depois de queimar o filme em alguns trabalhos mornos e passar um tempo sumido, volta a mostrar o grande ator de Munique (2006) e Chopper (2000), com seu Addison ao mesmo tempo monstruoso e cândido. Só mesmo um intérprete da sua categoria poderia tornar críveis alguns dos diálogos em estilo caubói do personagem. Olivia Wilde (Tron – O Legado) é esforçada, mas sua inexperiência em papéis mais exigentes acaba sendo evidenciada pelo trabalho do restante do elenco – no que não deixa de ser uma boa atuação, apesar de tudo, e que deve contar bons pontos para a atriz. Hunnam, da série de TV Sons of Anarchy, entrega um ótimo Jay, impetuoso e cheio de ressentimento. E, para completar o time, alguns coadjuvantes de luxo: Sissy Spacek (Carrie – A Estranha), eficiente como sempre no papel da mãe de Jay, June; Kris Kristofferson (Alice Não Mora Mais Aqui), eterno dublê de ator e cantor, que até que faz direitinho o pai caladão de Jay, Chet; Treat Williams, do estupendo O Príncipe da Cidade (1981), como o xerife local; e Kate Mara (127 Horas, Homem de Ferro 2, várias pontas), como a filha dele.

Escrevi, lá no começo, que o filme faz uma revisita ao gênero western. Afinal, sua trama, seus planos abertos, sua ambientação e seus diálogos são uma permanente emulação dos códigos desse estilo. Mas outra influência me parece visível: a obra dos irmãos Joel e Ethan Coen (Fargo, Onde os Fracos Não Têm Vez), com suas histórias tragicômicas (às vezes trágicas mesmo) cujo ponto de partida é sempre a tentativa de um homem comum (um loser comum seria mais exato) de tentar dar um passo maior do que a perna. A relação com Fargo soa mais forte quando se observa o recorrente sarcasmo do filme, bem como sua crítica da violência extremada e sem sentido que grassa em nossa época. Mas pára por aí: o roteiro de Zach Dean passa longe do brilho dos diálogos da dupla, e a direção de Ruzowitzky nem de longe possui a mesma sutileza. Suas sequências de ação, porém (como o acidente no começo do filme, ou a perseguição a Addison no gelo) são excelentes.

Pela oportunidade de acompanhar o retorno de Eric Bana à boa forma, mais o começo brilhante e um ou outro bom momento no restante do filme, A Fuga certamente vale a conferida. Também funciona como uma boa alternativa para a programação convencional das salas de cinema.

Ah, e Olivia Wilde, como a mulher fatal, ma non tanto, traz uma sensualidade rara de se ver nesse tipo de filme. Está aí outro ótimo motivo.

Nota: 7,5

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.