A Maldição da Casa Winchester é um filme que, curiosamente, provoca mais uma sensação de tristeza do que de medo. É um filme que tem um ótimo elenco, uma ideia até legal como ponto de partida, e até consegue causar um susto ou dois aqui e ali. Porém, para usar a metáfora da casa bizarra da história, o longa é uma construção erguida sobre o terreno frágil dos clichês e nunca fica de pé direito, e termina por desabar sob seu próprio peso.

O ponto de partida legal para a história vem de fatos reais. A tal Casa Winchester do título existe mesmo, fica na Califórnia e foi construída durante anos, na virada do século XIX para o XX. Nela morava a excêntrica Sarah Winchester, viúva do magnata das indústrias Winchester, que fez fortuna com a fabricação de armas, especialmente o famoso rifle batizado com o nome da empresa. A Casa foi construída sem planta arquitetônica e de acordo com os caprichos da dona, possuindo várias bizarrices como escadas e portas que levam a lugar nenhum, janelas voltadas de frente para outros cômodos e lugares especiais sempre trancados que, de acordo com as lendas em torno do lugar, serviam para aprisionar fantasmas, pois Sarah tinha contato com médiuns e acreditava que os espíritos presos na Casa eram de pessoas que foram mortas pelos rifles Winchester.

O filme pega esse contexto e o redimensiona numa narrativa ficcional. Na história, o doutor Eric Price (vivido por Jason Clarke) é contratado pelos investidores das indústrias para avaliar o estado mental de Sarah (Helen Mirren) e parte para a tal Casa. Ele é um homem cético que acredita na força da mente, mas assim que chega ao lugar se depara com acontecimentos estranhos envolvendo a sobrinha de Sarah, Marion (Sarah Snook), e o filho dela, Henry (Finn Scicluna-O’Prey).

Essa primeira meia hora é o melhor segmento do filme. É quando os diretores, os irmãos australianos Peter e Michael Spierig, até criam um ou outro bom momento de tensão – há a batida cena do espelho, mas feita de uma forma um pouco interessante, como num plano contínuo, e outra cena envolvendo um buraco na parede para comunicação dentro da casa, que também é divertida. Porém, pouco depois disso, os problemas da narrativa e os clichês começam a cobrar seu preço.

Os cachês de Mirren e Clarke devem ter consumido grande parte do orçamento da produção, pois só assim para explicar porque o filme acaba não se aproveitando tanto assim do seu cenário diferenciado. Há um ou outro – aliás, vários – jump scares, aquele momento de susto no espectador com uma aparição súbita de alguém acompanhada de um acorde alto na trilha sonora, especialmente quando alguém abre uma janela ou dobra um corredor na casa, mas em comparação, são poucos os momentos em que sentimos a loucura arquitetônica do lugar. Esse aspecto, que poderia ser um diferencial para o filme, acaba sendo não muito explorado, estranhamente. Pelo menos as paredes escuras foram um toque bacana da direção de arte… Mas é muito pouco. Após alguns minutos, a Casa Winchester vira apenas mais uma casa assombrada como tantas do terror, com seus corredores mal iluminados e fantasmas com motivações meio vagas dentro trama.

E sobre a trama, logo fica claro que ela é uma coletânea de clichês. Percebemos que o herói carrega uma dor mal resolvida pela morte da esposa; que há uma criança possuída; que personagens sairão caminhando no escuro perguntando “quem está aí?”… E o mais ridículo de todos, o herói mantém seu ceticismo mesmo depois de ter visto algumas coisas bem tenebrosas! Fica difícil se envolver com a narrativa – que, aliás, parece meio esticada e sem ritmo, o confronto final com os fantasmas demora uma eternidade – com tantos clichês e bobagens.

Mesmo assim, há um interessante subtexto dentro do filme, apropriado à nossa época, com cenas que levam sutilmente a nos fazer pensar no debate sobre controle das armas nos Estados Unidos. Ora, há uma cena de um massacre com rifle Winchester na história, e não é difícil ver a personagem Sarah como alguém que, depois de fazer fortuna com a violência alheia, passa a advogar um controle das armas para impedir mais mortes. Pena que até mesmo isso é meio mal conduzido pelo roteiro, com direito ao uso de muitas armas para resolver as coisas no final da história.

E já que a produção contratou Mirren e Clarke, pelo menos eles fazem valer o dinheiro gasto. Ambos levam seus trabalhos a sério e tentam trazer um pouco de dignidade ao filme, mas não conseguem fazer milagre com o roteiro clichezento. Dame Helen Mirren, em especial, melhora um pouco o filme sempre que aparece e não podemos culpa-la por participar dele. Afinal, ela não tem mais nada para provar, é oscarizada e diva mesmo com véu e figurino pretos, e já está naquela fase da carreira em que quer se divertir, a época do trabalho duro já passou para ela.

No fim das contas, é impossível não se chegar ao fim da sessão de A Maldição da Casa Winchester com aquela tristeza descrita anteriormente. Não apenas porque o filme é fraco quando podia ser melhor, mas principalmente porque os irmãos Spierig, que parecem ser caras legais e amar o cinema de gênero, já fizeram pelo menos um trabalho maravilhoso, a ficção-científica O Predestinado (2014). Até a atriz de O Predestinado, Sarah Snook, que teve um desempenho assombroso – com o perdão do trocadilho – naquele filme, está no Casa Winchester com um papel muito sem sal. O Predestinado merece ser mais conhecido, e depois deste filme e do anterior dos Spierig, o projeto de aluguel Jogos Mortais: Jigsaw (2017), também muito ruim, parece que uma maldição de verdade se abateu sobre estes cineastas. A maldição de ter acertado apenas uma vez na carreira.

NOTAS

Helen Mirren: 6

Direção de Arte: 6

Roteiro: 3


NOTA DO FILME: 3,5