O livro A Menina que Roubava Livros de Markus Zusak, publicado em 2006, é a história de uma pessoa salva pela arte. A pequena Liesel Meminger, crescendo em meio à Alemanha nazista, aprende a pensar por si mesma e a preservar sua humanidade graças ao seu hábito de roubar os mais diversos livros, e depois lê-los. É um livro levemente esquisito (afinal, é narrado pela Morte, que se impressionou com a história de Liesel), mas também cativante por causa da sua humanidade. Os pequenos atos de rebeldia da menina e da sua família adotiva contrastam com a histeria e ódio que tomaram conta do povo alemão, e o autor nunca perde o foco da tragédia que se abateu sobre o país.

Infelizmente, há pouco de esquisito ou de cativante em A Menina que Roubava Livros, filme baseado na obra de Zusak. É o tipo de filme calculado para agradar: tudo nele é competente e o filme possui todos os ingredientes necessários para se transformar numa obra-prima. Mas é justamente esse aspecto calculado que faz dele uma obra insípida, a qual o espectador apenas assiste, sem se envolver.

A história começa em 1939. Liesel Meminger (vivida por Sophie Nélisse) perde seu irmãozinho durante uma viagem de trem. Sua mãe, acusada de comunista e em fuga da Alemanha, entrega a garota para um casal adotivo, os Hubermann (interpretados por Geoffrey Rush e Emily Watson). Pouco antes disso, no entanto, Liesel roubou seu primeiro livro, durante o enterro do irmão, e o lê com a ajuda do seu novo pai. Intitulado “O Manual do Coveiro”, este é apenas o primeiro dos títulos que ela roubará nos próximos anos – um deles ela chega a retirar de uma pilha de livros incendiados pelos nazistas. Ela faz amizade com um menino da rua, Rudy (Nico Liersch), e passa a ver sua família com outros olhos quando os Hubermann decidem abrigar um judeu, Max (Ben Schnetzer).

No comando da versão filmada de A Menina que Roubava Livros estão dois profissionais de credenciais modestas: Michael Petroni no roteiro e Brian Percival na direção. Petroni escreveu antes um filme da franquia Crônicas de Nárnia, e Percival é um diretor de TV mais conhecido pelo seu trabalho na série Downton Abbey. O trabalho de ambos em A Menina é superficial. O roteiro não consegue integrar bem a narração da Morte com o resto da narrativa – aliás, a narração do filme é supérflua e desconectada da história. Como resultado, o filme começa com um tom de fábula, depois vira um drama com toques de A Lista de Schindler (1993), e no final volta a parecer uma fábula. Esses tons contrastantes não se harmonizam.

Já a direção de Percival é burocrática, e o cineasta parece contar mais com a simpatia e a presença do seu elenco do que propriamente com o trabalho dos atores para conquistar o publico. Rush e Watson exibem a habitual competência nos seus papéis, mas ambos interpretam figuras sem carisma que não conquistam o espectador e parecem pálidas recriações dos cativantes personagens do livro. Os Hubermann não exigem nada desses atores excepcionais e isso é muito decepcionante. Até mesmo a protagonista Nélisse faz o que lhe é exigido, mas passa o filme todo com a mesma expressão e não conquista o espectador. E Schnetzer transforma Max numa figura aborrecida, distribuindo frases de efeito e lições para a protagonista.

Tecnicamente, A Menina que Roubava Livros é um trabalho digno de destaque. A fotografia de Florian Ballhaus é muito bonita, investindo no branco da neve e nos tons sóbrios para compor um quadro convincente de uma Alemanha monocromática e dominada pelo ódio. A cor, ele reserva para momentos especiais, como a conversa entre Liesel e Rudy num bosque excepcionalmente bonito e caloroso. A direção de arte também contribui para isso, com cenários pouco iluminados e desprovidos de cor. Assim, o vermelho da bandeira nazista chama mais atenção quando aparece…

No entanto, um detalhe prejudica o filme: a estranheza de se ouvir os personagens falando alternadamente entre inglês (com sotaque) e alemão. Isso ocorre principalmente no início da história, justamente quando o filme deveria estar conquistando o espectador – Liesel e sua família falam inglês, outros personagens falam alemão, e as crianças cantam em alemão no coro nazista. De vez em quando, expressões alemãs são faladas junto com o inglês, aumentando a estranheza. Entende-se que a língua inglesa foi escolhida para aumentar o potencial de bilheteria do filme, mas essa mistura prejudica a atmosfera de autenticidade que o diretor está tentando criar, especialmente no começo do filme.

Ainda no aspecto técnico, a trilha sonora do filme é composta pelo lendário maestro John Williams – conhecedor desse território por ter composto a trilha do já mencionado A Lista de Schindler. Porém, a trilha é o retrato perfeito do que é o filme: bonita e melodiosa enquanto se ouve, mas esquecível após os créditos.

O que é uma pena, pois o material-fonte no qual o filme se baseou poderia ter rendido uma experiência cinematográfica incrível. O livro de Zusak é comovente, porém duro: nunca perdemos de vista a guerra e o mal que circundam os personagens do livro, e como a sociedade alemã pagou um alto preço pelo seu ódio – ódio este que consumiu a todos, inclusive pessoas boas como os personagens da história. O filme, por sua vez, é suavizado, com alguns momentos de sentimentalismo excessivo, e decepcionante. Existem filmes bons, filme ruins, e ainda um terceiro tipo, aqueles que ficam apenas medíocres. A Menina que Roubava Livros se enquadra neste último, o mais frustrante tipo de obra cinematográfica.

Nota: 4,0