O curta-documentário “Absorvendo o tabu” (Period. End of Sentence, 2018) captura a atenção do espectador ocidental pelo espanto. Não se trata de uma surpresa que assuste como um filme de terror, e sim aquela que nos toca pelo absurdo da situação que busca dar luz: o tabu acerca da menstruação das mulheres indianas.

Quando dizemos “tabu”, é tabu mesmo, do tipo que faz com que as pessoas se calem acerca desse fenômeno que atinge a maioria esmagadora das mulheres em idade fértil ao redor do planeta de tal maneira que as pessoas mal conseguem verbalizar algo acerca do assunto. Esse é o elemento que a câmera de Rayka Zehtabchi capta para nos ambientar num universo que, de outra forma, talvez parecesse banal demais para nos segurar por 25 minutos na frente da tela.

Distribuído pela Netflix, o curta-documentário segue um grupo de mulheres que trabalham na fabricação e venda de absorventes de baixo custo voltados às mulheres mais pobres na Índia. Nesse ínterim, apresenta-se um pouco do contexto cultural no tratamento do assunto, sobre o qual aparentemente as mulheres pouco ou nada falam entre si, os jovens não aprendem sobre o básico nas escolas e, do pouco que sabem, associam à visão de que a mulher no período menstrual é “suja” e “impura”.

Tomemos o termo “aparentemente” como digno de atenção aqui, pois “Absorvendo o tabu” deixa lacunas aos espectadores menos próximos de seu objeto. Terminamos o filme sem saber se o silenciamento sobre essa questão de saúde atinge apenas as mulheres mais pobres e com acesso mais dificultado à educação, por exemplo. Fica claro, no entanto, que elas são as principais vítimas da ignorância machista e/ou religiosa que as impele a não informação e acesso a algo tão básico.

O relato da mulher que parou os estudos pelo incômodo de não conseguir absorventes que mantivessem suas roupas limpas e afastassem os olhares masculinos no período menstrual é chocante. O jovem homem que, quando questionado, afirma que a menstruação é um “problema de saúde que afeta principalmente mulheres” seria cômico, se não fosse trágico.

Para além disso, a citação ao uso de panos não higienizados como “quebra galho” (sua avó provavelmente usou algo desse tipo) é preocupante, pois aponta para a inviabilidade da manutenção da saúde de muitas mulheres, se levarmos em consideração que a Índia conta, hoje, com pouco mais de 586 milhões delas (quase 49% da população). Não sabemos nada, no entanto, se há estudos sobre as consequências disso para a administração da saúde pública no país a partir do documentário.

São pequenas informações que fazem falta na narrativa de “Absorvendo o tabu”, e que poderiam engrandecer sua importância para além do status de “alerta”. Ao invés disso, o filme decide dar um foco parcial numa mulher específica do grupo, que se prepara para tentar se tornar uma policial em Nova Déli, destacando que o salário a faria não precisar casar, o que soa como um alívio.

Fica implícito no filme que um maior poder econômico para essas mulheres é extremamente significativo e libertador, e que o trabalho na fabricação e venda dos absorventes de baixo custo são um primeiro passo para isso. Ah, o capitalismo… é a solução de todos os problemas!

Ou é em partes. não se questionam no curta-metragem as condições de trabalho dessas mulheres, outro fator no mínimo complicado. Mostra-se, no máximo, que elas trabalham de 9h até 17h; pausas para refeições ou descanso não são citadas. Vemos as mulheres trabalhando com máscaras, mas manuseando o algodão que fora os absorventes com mãos desprotegidas, o que tanto pode trazer danos a elas como às usuárias dos produtos.

Expõe-se também o processo de venda dos absorventes, mas não fica claro qual a porcentagem que cabe a essas trabalhadoras. Comenta-se que muitas escondem dos pais, irmãos ou maridos o que exatamente elas produzem, por medo de represálias. Com um homem à frente da fábrica, o espectador pode ficar curioso acerca da dinâmica entre patrão e empregadas, mas isso também não surge no filme.

No fim das contas, “Absorvendo o tabu” cumpre uma missão significativa. Por um lado, ignora pontos essenciais em um feminismo interseccional (machistas assumidos ou encubados, façam de conta que “feminismo” quer dizer “humanismo”, ok?), que contemple melhor raça e classe no tratamento do tema; por outro lado, abre uma pequena brecha para a empatia de pessoas que não necessariamente vivem essa realidade, e justamente por questões de classe inerentes ao capitalismo, têm como ajudar a mudar o quadro apresentado no curta. Por fim, faz-nos pensar também na importância da representação audiovisual (e, por conseguinte) da produção de uma crítica que nos faça entrar em contato com saberes que possam nos impelir a mudanças em nossos pensamentos e ações em prol de uma sociedade mais igualitária para homens e mulheres.