Dirigido e roteirizado pelo versátil Terence Davies, “Além das Palavras” é a primeira cinebiografia da poeta americana Emily Dickinson. O filme necessário mesmo contando com a inequívoca experiência do cineasta, não brinda o espectador com uma obra digna da importância da poetisa.

O longa é baseado na vida e parte da obra de Emily Dickinson (1830-1886), segue seus dias desde o seminário feminino, o qual abandonou depois de recusar declarar publicamente sua fé, até seus dias de reclusão na casa dos pais em Massachusetts, onde viveu até o fim ao lado da irmã Lavínia. Emily era uma figura complexa, dona de uma personalidade forte e um humor ácido, não foi reconhecida em vida por seus trabalhos. Poucos dos seus poemas, entre quase 1,800 produzidos, foram publicados, sendo ainda significantemente alterados para se adequar às regras poéticas da época.

A característica mais interessante e relevante do longa-metragem de Terence, é também seu calcanhar de Aquiles. Na criação da obra, o artista optou por seguir um caminho menos convencional, talvez para estar o mais próximo daquilo que era a personalidade de Dickinson. Sem explorar o sentido tradicional, comum de cinebiografias, o diretor tentou não apenas retratar a vida da poeta ou ilustrar aquilo que foi a vida de uma grande figura, mas inserir aquele que assiste nas sensações e sentimentos do protagonista. Usando quase um tom teatral, o cineasta usa o modo de contar a história como parte dela.

Contudo, essa tentativa de fugir do lugar comum acaba desenrolando-se de forma caricata, com uma representação excessiva. As atuações muitas vezes são artificiais e sem complexidade. Ligado a isso, a forma como o roteiro foi estabelecido também não funciona, os diálogos são superficiais na sua construção. Parece que todo o texto se apoia em frases prontas e de efeito para demonstrar uma genialidade “espontânea”. A personagem Vryling Buffam (Catherine Bailey) criação do diretor da mescla de diversas amigas próximas de Emily na época, é o maior exemplo disso. Sempre com respostas na ponta da língua e ávida em mostrar a personalidade fora dos padrões, reproduz frases e ‘máximas’ vazias e sem naturalidade.

Mesmo os personagens funcionando quase como caricaturas em razão da construção narrativa, Cynthia Nixon está bem no papel da poeta. Especialmente, nas cenas que enfocam a amizade com a irmã e o desenvolvimento da doença que culminou na morte da poetisa, Nixon mantem completa sintonia com o papel. Assim como a própria Emily, Vinnie Dickinson (Jennifer Ehle) e Susan Gilbert (Jodhi May) são os poucos personagens sem exageros e que geram empatia no espectador. Os momentos entre as irmãs são os mais genuínos de todo filme. Sem excessos ao retratar a relação de confiança e amor entre elas, Vinnie era uma das poucas que compreendia e dava suporte a Dickinson.

No decorrer do longa, o britânico intercala os poemas da poetisa com as situações vivenciadas. De certa forma esse recurso funciona bem. Ótimo exemplo é uma das melhores cenas do filme, onde Emily carrega o sobrinho pela primeira vez e enquanto aninhava o bebê, recita para ele um de seus trabalhos mais conhecidos, “Não Sou Ninguém”. A sequência possui uma beleza exuberante manifestada pela simplicidade do momento. A cena traduz com perfeição a relação de Emily com sua arte e sua família, o amor pungente que sempre dedicou a eles.

Terence Davies seguiu um caminho que poderia ser o maior trunfo da obra ou seu fracasso. “Além das Palavras” não vai além para expressar com paixão a vida e obra da ilustre poeta. Talvez seja necessária alguma compreensão das escolhas cinematográficas do diretor parar apreciar melhor o filme, ainda assim é difícil dizer se a sequência é falha ou não. A sensação é de que o longa não consegue ultrapassar esses elementos para retratar com profundidade quem foi Emily Dickinson, como se a obra tratasse apenas de uma homenagem à grande poeta.