Os cinemas do Centro sabem a indiferença de Manaus com o seu passado. Na busca pelo crescimento a qualquer custo, as fachadas do Odeon, Ypiranga e tantos outros locais de cinéfilos foram se perdendo para as primeiras lojas que surgiram no caminho. O futebol teve o mesmo destino com a triste transformação do espaço do lendário Parque Amazonense em, pasmem, um distrito policial.

Dirigido por Chicão Fill, “Amazonas – O Jogo da Bola” faz um trabalho importante ao recordar como o futebol tem uma rica, mas, esquecida trajetória por estas bandas. Durante pouco mais de uma hora, o documentário apresenta a história do esporte no Estado desde os primeiros relatos de um partida de bola feita na região da cidade de Tefé no século XVIII até os jogos da Copa-2014 na Arena. Somos apresentados ao surgimento dos primeiros times de origem inglesa, passando pela criação dos tradicionais Nacional, Princesa do Solimões e Rio Negro, além dos principais craques dos clubes da região como os irmãos Piola, Berg e ícones como o técnico e fundador do América, Amadeu Teixeira.

Não apenas o importante registro do tal jogo de bola feito por Charles Marie de la Condamine como as fotos dos primórdios da profissionalização do futebol local e a passagem da Seleção de 70 pelo Vivaldão assim como a destruição do antigo estádio são tocantes. Apesar do didatismo que transforma o filme, em determinados momentos, em um emaranhado de datas sem soluções visuais criativas para tornar as informações mais atraentes, Chicão Fill merece aplausos por usar o projeto para defesa da criação de um necessário museu do futebol amazonense. O filme, aliás, pode ser um importante componente nessa iniciativa de sensibilizar os órgãos públicos e a iniciativa privada a investir em um espaço do tipo.

Se o posicionamento pela valorização da memória é louvável, “Amazonas – O Jogo da Bola” precisa ser encarado com certa parcimônia quanto aos fatos narrados. Sim, temos uma história bonita, mas, quem assiste o documentário, sai com a impressão de que somos uma potência no esporte tais as falas grandiloquentes empregadas em certas passagens. Porém, para se ter uma ideia, o maior título local, o Centro/Sul-Norte/Nordeste, conquistado pelo Nacional em pleno Maracanã contra o Grêmio Maringá, em 1969, não chega aos pés do feito, por exemplo, do paraense Paysandu, campeão da Copa dos Campeões e duas vezes da Série B. Essa falta de dimensão para os não fanáticos pelo futebol pode ser enganosa e atrapalhar a verdadeira compreensão da realidade modesta em que nos encontramos.

Decepcionante, acima de tudo, é como o documentário se deixa levar pelo viés populista e pouco crítico. Tirando a crítica muito bem feita de Edson Piola sobre a falta de memória da cidade, os momentos politizados ora são tímidos (como quando Márcio Souza fala sobre a tática do pão e circo da ditadura) ou deslocadas (a entrada sem muito propósito das cenas dos protestos de 2013).

As falas do juiz Luiz Cláudio Chaves e dos jornalistas Arnaldo Santos e Eduardo Monteiro de Paula, por mais que sejam bonitas, acabam soando leves brisas de sonhos quando conhecemos a realidade marcada pela incompetência de nossos amadores dirigentes interessados apenas em um lucro rápido, de uma Federação Amazonense de Futebol comandada a quase 30 anos por um cidadão que nem deveria estar lá, um escândalo vergonhoso de aliciamento infantil nas categorias de base dos clubes locais sem respostas, etc. Não à toa que quando vemos o símbolo da construtora Andrade Gutierrez nas imagens da construção da Arena da Amazônia para atender o tal ‘padrão Fifa’, dito por Miguel Capobiango, é impossível de não dar uma risada cínica e entender o buraco em que estamos.

Falta a “Amazonas – O Jogo da Bola” esses elementos críticos para se tornar, de fato, um grande filme. Mesmo assim, não apaga o belo papel de ser um porta voz na luta pela memória do futebol amazonense.