Começamos a ouvir falar mais de “Amor por direito” quando o filme foi anunciado para as primeiras exibições em festivais. O motivo: ele tinha uma série de elementos para ser cotado para a temporada de premiações: uma trama baseada em fatos reais; um elenco fantástico encabeçado por Julianne Moore, Ellen Page, Michael Shannon e Steve Carell; um apelo direto ao público GLS; e a revisita a um caso que ajudou a moldar leis que contemplassem direitos civis igualitários a essa parcela da população nos EUA. Houve quem anunciasse que esse seria o “Brokeback Mountain” lésbico, um filme de qualidade capaz de comover público e crítica. O que deu errado então?

Antes de responder essa pergunta, vamos à formalidade da sinopse. Laurel Hester (Julianne Moore) é uma policial de Nova Jersey que passa a ter um relacionamento estável com a mecânica Stacie Andree (Ellen Page), o que acompanhamos nos primeiros 40 minutos do longa. Passado cerca de um ano, Laurel descobre que tem uma câncer e o casal enfrenta uma batalha legal para que Stacie tenha direito aos benefícios da pensão após a morte da policial, pois as autoridades não reconhecem a união homoafetiva.

O tema, relevante e delicado, é exposto na direção de Peter Sollett de forma a flertar com a tênue linha que delimita o piegas e o tocante. Se, por um lado, temos uma história que cria empatia imediata, dada a maneira como se constrói a injustiça para contra as protagonistas, por outro lado, temos diálogos expositivos que por vezes massacram a dramaticidade da situação. Vemos isso, por exemplo, com a introdução do personagem de Steve Carell, o advogado gay Steven Goldstein, que surge mais para dar uma quebra ao tom tranquilo do filme que para qualquer coisa.

Outro ponto que reforça essa impressão é a constante insistência, via falas, do perfil dos personagens ao público. Vemos, repetidas vezes, os vereadores se posicionando contra o reconhecimento do direito de pensão a Stacie, apresentando basicamente a mesmíssima fala, de novo e de novo. Já o personagem Dane Wells (Shannon), o policial parceiro de Laurel, também precisa, pelo menos na cabeça do diretor e do roteirista Ron Nyswaner, dizer com todas as letras o que já era claro ao espectador: que ele é hétero, cis e ateu. Co essa mão pesada na direção, perde-se a chance de aprofundar situações e personagens potencialmente marcantes.

Lugares de (não) fala

Por si só, esse forte caráter expositivo não é o suficiente para transformar “Amor por direito” em um fracasso. Apesar disso, o fio condutor da trama é tão interessante que faz com que um espectador de perfil mais exigente se sinta, ainda assim, instigado para saber se e como Laurel será bem sucedida em seu último desejo. Um espectador sem grandes exigências então… esse não terá dificuldade de se envolver com a melancólica trama.

Algo em “Amor por direito” faz com que continuemos a querer vê-lo. Os tons pasteis, a sobriedade que Sollet tenta dar em meio às eventuais pieguices, o peso do “baseado em fatos reais” reverberando na mente do espectador… ou talvez o conjunto disso tudo. Assistir a esse filme dá uma sensação similar ao reencontro com um filme que já se viu antes, o qual você não resiste a começar a ver pela metade numa exibição na TV, como se ele inspirasse automaticamente uma familiaridade. Talvez seja, de fato, por lembrar “Filadélfia” (1993), um filme gay quase assexuado que o grande público conseguiu digerir anos 1990.

Porém, de 1993 para cá, muita coisa mudou. 2016 pedia mais bravura no tratamento do tema de “Amor por direito”, e muito mais atenção e empatia para com as próprias protagonistas. Laurel e Stacie são expostas como indivíduos totalmente passivos perante a situação do filme, e não de uma maneira que as mostre como pessoas vítimas de circunstâncias para além de seu controle, e sim como pessoas apáticas. Para um filme cujo tema perpassa diretamente o empoderamento de uma comunidade, isso é frustrante ao espectador mais atento.

Para dar o exemplo mais óbvio dessa situação, o próprio pontapé da luta pelo direito de pensão é dado não por Laurel, mas por seu parceiro Dane, que insiste no quão errada é a situação. Posteriormente, a exposição do caso à mídia também não parte de Laurel, e sim do advogado Goldstein. A bem da verdade, Moore e Page podem nesse filme atuar no piloto automático tranquilamente. O talento das duas e a falta de destaque real às suas personagens permitem que elas façam um trabalho correto e, ao mesmo tempo, melancólico ao espectador, posto que o casal é colocado quase em um lugar de não fala ao longo do filme.

Em contraponto, há vários momentos em que os desejos e ações das protagonistas só são validados a partir das falas de homens. Dessa forma, é emblemática a cena em que os ativistas pró-direitos da comunidade gay são apresentados como pessoas sem nome e sem discurso articulado, introduzidos no quadro pela vontade de Goldstein, ele mesmo homossexual, armar um circo midiático (que nunca é de todo debatido no filme). A cena só ganha real peso dramático quando Dane (o hétero, lembram? Ele disse isso aos espectadores anteriormente) se dirige ao grupo de vereadores e apresenta uma fala emocional e coerente.

Quem ganha com isso é Michael Shannon, ótimo ator que merecia mais reconhecimento, já que conta com a ajuda do roteiro e direção para roubar a cena. Ele dá dignidade aos momentos em que o filme ameaça pecar para com sua trama e consegue nos emocionar pra valer. De certa maneira, ele é como Alicia Vikander em “A garota dinamarquesa” (2015): o personagem que deveria ter menor destaque para quem o diretor se voltou devido a falta de domínio e sensibilidade ao abordar o drama do protagonista. De quebra, ele ajuda o personagem Bryan Kelder (Josh Charles), o vereador que mais se sensibiliza pelo caso de Laurel, a seguir o mesmo caminho.

Mesmo com todos esses problemas, dizer que é “Amor por direito” é um filme simplesmente ruim seria uma meia-verdade. Sua fruição tranqüila tem, no mínimo, o mérito de ser um filme “assistível” e curioso para espectadores cuja abertura ao assunto ainda enfrente as mesmas resistências do público de “Filadélfia” em 1993, o que não é de todo ruim. Aos demais, serve pelo menos como um guia ao mostrar, nos créditos finais, que o longa é inspirado pelo documentário Freeheld (2007), mais bem quisto pela crítica, servindo de dica para uma próxima sessão de cinema em casa.