Se você já viu um filme de terror, especialmente os slasher films (filmes de assassino, subgênero surgido a partir da década de 70), então provavelmente a conhece. Aquela garota tímida, mas inteligente e cheia de recursos… Pois é ela que frequentemente encara o mal, os monstros e maníacos do cinema de horror. Trata-se da “garota final” (“final girl”, em inglês), a última sobrevivente que ao longo dos anos tornou-se uma figura emblemática deste tipo de produção.

O termo “final girl” foi usado pela primeira vez pela escritora americana Carol J. Clover, no seu livro “Men, Women and Chainsaws: Gender in Modern Horror Film” (numa tradução livre: “Homens, Mulheres e Motosserras: O Gênero Feminino no Cinema de Horror Moderno”). O livro foi publicado em 1992, quando a grande onda dos filmes de assassino já tinha passado. A autora abordou os slasher films por uma perspectiva feminista e analisou a forma como as mulheres eram retratadas neles.

Segundo Clover, o principal motivo para as mulheres geralmente serem as protagonistas em filmes de terror é o fato de elas poderem expressar o medo de forma mais poderosa. Ela, então, analisou as heroínas desses filmes. A “garota final” é inteligente, às vezes vista como deslocada. Ela se mantém casta ao longo do filme e não usa drogas, ao contrário das demais personagens femininas, que transam e são consequentemente mortas. A “garota final” é vigilante e curiosa, enquanto os outros só querem se divertir e não percebem a presença do mal. No final do filme, apesar do medo ela consegue combater o assassino apropriando-se de algumas características masculinas – tornando-se mais agressiva, por exemplo, ou até mesmo roubando a arma do vilão. Às vezes ela pode até ter uma conexão pessoal com o assassino.

Clover observou que nestes filmes a plateia é geralmente masculina, levada no inicio da trama a se identificar com o assassino de várias formas. A mais comum ocorre quando a câmera assume o ponto de vista do vilão – um clichê visual frequente destes filmes – enquanto este espiona ou ataca as vítimas, especialmente mulheres. Porém, quando a “garota final” entra em foco para enfrentar o assassino, a empatia do público se transfere para ela. Os espectadores passam a torcer para que ela escape ou derrote o mal (os dois finais possíveis para a personagem).

Apesar de o subgênero slasher ser geralmente misógino – com muitos críticos e pesquisadores argumentando que nesses filmes as mulheres se dividem em “vadias”, passíveis de serem mortas, ou “virgens”, que sobrevivem – mesmo assim essas obras refletiram, até de forma inconsciente, as mudanças da sociedade e dos papéis femininos dentro dela. Vamos agora relembrar as mais marcantes “final girls” do cinema e perceber como se deu a evolução deste arquétipo do cinema de terror.


A pioneira: Vera Miles

Quando Vera Miles interpretou Lila Crane em Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, não tinha ideia de que estava criando um padrão. Ela é a “garota final” no terceiro ato do filme, quando adentra o porão da casa de Norman Bates (Anthony Perkins) e descobre o corpo mumificado da mãe dele, sentado numa cadeira. Lila grita de pavor e, subitamente, o travestido Norman surge para atacá-la. Esta “garota final” nem tem tempo de reagir, sendo logo resgatada por uma figura masculina, o namorado da sua irmã, que foi morta pelo psicopata.


A aterrorizada: Marilyn Burns

Burns pode não ter virado estrela, mas seu desempenho em O Massacre da Serra Elétrica (1974), um dos mais poderosos da história do cinema de terror, até indicava que isso podia acontecer. No papel de Sally, ela é a “garota final” atacada pelo terrível Leatherface e sua louca família. Basicamente a última meia hora do filme envolve Sally sendo atormentada pelos maníacos: ela é amarrada, encara a tenebrosa cena do jantar e é martelada na cabeça – e, em todos esses momentos, a atriz parece genuinamente à beira da loucura. No entanto, Sally consegue escapar e o filme se encerra com ela, rindo na traseira da camionete que a levou para longe do inferno. Burns realmente se machucou nas filmagens, realizadas sob condições terríveis no verão texano. Parte do sangue visto nela nas cenas finais não é cenográfico…


A estrela: Jamie Lee Curtis

Jamie Lee Curtis é filha da atriz Janet Leigh, a vítima da cena do chuveiro em Psicose. Seu destino no inicio da carreira também foi o de ser atacada por um maníaco, o assustador Michael Myers em Halloween: A Noite do Terror (1978), de John Carpenter. No papel da babá Laurie, que toma conta de crianças no dia das bruxas, Jamie tem um grande desempenho como a jovem vulnerável forçada a lutar pela própria vida. Laurie é a primeira “garota final” a reagir de verdade, enfrentando Myers com todas as suas forças – pena que ele não pode morrer… Na continuação, Halloween 2: O Pesadelo Continua (1981), é revelado que a heroína e o assassino são irmãos.


O ícone: Sigourney Weaver

O cineasta Ridley Scott sempre admitiu que uma das inspirações para o seu seminal filme de terror/ficção científica Alien: O Oitavo Passageiro (1979) foi O Massacre da Serra Elétrica. Como tal, o filme também tem uma “garota final” na figura de Ellen Ripley, papel que alçou a atriz Sigourney Weaver à fama mundial. Ripley é a primeira grande heroína do cinema de gênero e sua determinação para combater o monstruoso alienígena invasor de sua nave a transformou numa figura inesquecível e poderosa. Ela triunfa onde os homens falham, e se tornou ainda mais icônica na sequência, Aliens: O Resgate (1986), de James Cameron. Ali, ela já não podia mais ser considerada uma “garota final”.



As azaradas: as garotas de “Sexta-Feira 13”

Algumas das mais emblemáticas “garotas finais” pertencem à franquia Sexta-Feira 13. Em particular, as estrelas dos três primeiros filmes, as atrizes Adrienne King de Sexta-Feira 13 (1980), Amy Steel de Sexta-Feira 13: Parte 2 (1981) e Dana Kimmell de Sexta-Feira 13: Parte 3 (1982). King, no papel de Alice, encarou a homicida senhora Voorhees (vivida por Betsy Palmer), determinada a vingar o filho que morreu afogado no acampamento de férias. Steel e Kimmell, por sua vez, enfrentaram o filho louco da senhora Voorhees, o Jason, um dos mais famosos vilões do cinema. Contudo, na franquia as “garotas finais” nem sempre triunfam. Alice sobrevive ao massacre do longa orginal, mas é morta no inicio da Parte 2, e as personagens de Steel e Kimmell terminam seus filmes em estado catatônico. Num estranho paralelo entre a vida real e a ficção, Adrienne King teve abreviada a sua carreira de atriz quando um fã maluco começou a perseguí-la pouco depois do lançamento do primeiro Sexta-Feira 13.


A garota dos sonhos: Heather Langenkamp

Langenkamp também foi uma das mais marcantes “garotas finais”, lembrada por ter vivido o papel de Nancy Thompson em A Hora do Pesadelo (1984), do diretor Wes Craven. Ao ver seus amigos morrerem nos pesadelos criados por Freddy Krueger, Nancy concebe um plano para trazer o vilão para o mundo real numa tentativa desesperada de destruí-lo. Para isso, espalha diversas armadilhas pela casa… Definitivamente Nancy não era uma mocinha indefesa.


A avançadinha: Neve Campbell

Quando Wes Craven e o roteirista Kevin Williamson revisitaram os clichês dos slasher films no megassucesso Pânico (1996), resolveram atualizar a figura da “garota final”. Sidney Prescott, papel de Neve Campbell, passa o filme sendo perseguida pelo maníaco Ghostface, mas ainda arranja tempo para perder a virgindade com o namorado – ato que seria punido com a morte nos anos 1980 – e termina matando o assassino. Ela representou uma evolução para o arquétipo da “garota final” e a atriz repetiu o papel nas sequências, transformando Sidney numa das maiores sobreviventes do cinema de terror.


As garotas de Quentin Tarantino

O irreverente Quentin Tarantino brincou com as convenções dos filmes de assassino no ótimo À Prova de Morte (2007). O longa é dividido em duas metades. Na primeira, vemos o psicótico Dublê Mike (vivido por Kurt Russell) à espreita de um grupo de amigas – dentre elas, a personagem de Vanessa Ferlito se destaca como provável “garota final”. Mike acaba matando todas, porém, usando seu possante carro à prova de morte. Na segunda parte, o maluco se depara com outro grupo de garotas – a diferença é que estas trabalham no cinema. As garotas da segunda parte não apenas reagem às investidas do vilão, elas se vingam… Afinal, é um filme de Tarantino. O cineasta faz das suas personagens as mais fortes da história e deseja claramente que nos identifiquemos com elas e não com o assassino.