Segundo filme em inglês de Ingmar Bergman, desenvolvido durante seu exílio na Alemanha, “O Ovo da Serpente” é contextualizado na véspera da tentativa do golpe de Estado de Adolf Hitler na região da Baviera, que viria a ser o estopim da Alemanha Nazista. Um dos poucos filmes abertamente políticos de Bergman, o longa se perde na visão pessimista do cineasta.

Dois artistas de circo desempregados, Abel (David Carradine) e Manuela Rosenberg (Liv Ullmann), lutam para sobreviver em Berlim durante os turbulentos dias de novembro de 1923. Após o suicídio do irmão de Abel, uma série de acontecimentos perturba a vida dos dois. O trapezista, então, descobre o plano sinistro do cientista Vergerus.

União de algumas ideias antigas do diretor, “O Ovo da Serpente” recria os horrores da ascensão do fascismo na Alemanha pré-nazista. Com uma construção fatal dos eventos e destino dos personagens, a leitura de Bergman apresenta uma ideia condenada e imutável daquilo que viria acontecer anos depois. Enfatizado na última cena do filme, no diálogo entre o cientista Vergerus e Abel Rosenberg, o diretor explica a percepção de inevitabilidade do futuro assombroso por vir.

Bergman usa diversas alegorias para apoiar esse ponto de vista, algumas óbvias outras nem tanto. É possível ver o trapezista Abel, e suas atitudes equivocadas, como uma boa representação do caos que nos permeia. Contudo, os diversos simbolismos e concepções pessoais de Bergman não parecem encaixar e muito menos dizer algo além. Infelizmente, é difícil não concordar com o fato de “O Ovo da Serpente” constantemente figurar nas “listas de piores filmes” do cineasta.


DA VIDA DAS MARIONETES

Considerado por Ingmar Bergman como um de seus melhores filmes, “Da Vida da Marionete”, spin-off de “Cenas de um Casamento“, trabalho experimental feito para televisão durante seu exílio, condensa o que de melhor o cineasta pode criar.

Depois de assassinar e estuprar brutalmente uma prostituta sem motivo aparente, Peter Egerman (Robert Atzorn) é analisado em uma série de memórias e entrevistas feitas por um psiquiatra, Professor Jensen (Martin Benrath), na busca por respostas. Revelando-se aos poucos como alguém profundamente perturbado, não somente pela infância reprimida, como também pelo relacionamento com a esposa, Katarina (Christine Buchegger).

O filme centra na questão do porquê Egerman cometeu algo tão brutal. Analisando todas as camadas do personagem, Bergman busca, por meio do psiquiatra e da esposa, os sinais para explicar o ocorrido na primeira cena. Sem nunca realmente responder a questão, o diretor oferece diversas possibilidades, mas sem nunca a ter para si. Psicopatia, sua infância, a suposta bissexualidade, todas são possibilidades, mas nenhuma A verdade. Em meio a isso, o cineasta observa a dinâmica dos protagonistas, como a relação entre Peter e Katarina se desenvolve em algo inseparável, mas que se repele. As cenas do casal no primeiro episódio de “Cenas de um Casamento”, na ocasião interpretados por Bibi Andersson e Jan Malmsjö, é o epílogo perfeito dessa relação.

Outro elemento incluído, o domínio desconhecido sobre homem. Segundo o diretor, o filme “é sobre a manipulação do ser humano por forças externas e além delas […] que você não pode controlar e não pode definir”. Sobre as atitudes transgressoras do protagonista, estas seriam produto do passado ou da interferência do outro. O ser humano sempre como resultado de algo. Essa perspectiva, um tanto semelhante a trabalhada em “O Ovo da Serpente”, mas diferente do anterior, é construída com muito mais densidade. Bergman entrega uma obra filosófica e visualmente instigante. “Da Vida das Marionetes” é além de uma joia escondida, a comprovação pessoal do cineasta da qualidade do seu cinema feito longe de casa.