Sem dúvidas, o maior ponto positivo de um suspense é criar a expectativa certa para nos guiar entre as diferentes situações que vão ser apresentadas. Isso, claramente, não é algo fácil de construir. O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, sabia e abusava de seu poder de criação. O tempo, a história, a paciência nos detalhes e o clímax encaixavam de forma uníssona para criar a atmosfera perfeita de um suspense bem imaginado e planejado. Poucos são os diretores que conseguiram repetir os feitos de Hitchcock, mas isso não é justificativa para as tentativas cessarem. E o maior erro de todas essas tentativas – não de tentarem ser o pai dos suspenses, mas de criarem bons suspenses – é não conseguirem transformar boas histórias em bons filmes.

Esse é o caso de ‘Boneco de Neve’, filme dirigido por Tomas Alfredson, que foi adaptado do best-seller homônimo de 2007 do popular escritor norueguês, Jo Nesbø, cujos contos são incessantemente muito complexos, com temas permeados de críticas sobre o mundo político e uma profunda visão da sociedade. O conto, aclamado, não teve o mesmo sucesso no cinema. O filme parece circular apenas na superfície da história, recusando ou deixando de lado a complexidade e a riqueza dos detalhes que um suspense deve conter. Não se pode nem usar a justificativa que houve falta de tempo no filme. Isso porque ‘Boneco de Neve’ tem duas horas inacessáveis de uma história arrastada, confusa e tediosa.

O que faltou, no entanto, foi o planejamento e maior tempo para a construção do filme. Isso, não só é perceptível na tela, como também foi comentado pelo próprio diretor em uma entrevista para o site norueguês NRK, em que ele afirma que teve um tempo de filmagem muito curto e só percebeu que faltavam partes importantes da trama já na edição. Um erro grave para um suspense, que precisa de imagens e cenas previamente pensadas.  

‘Boneco de Neve’ conta a história de um assassino em série que está atacando as mulheres, deixando para trás partes do corpo cuidadosamente arrumadas e um boneco de neve infantil como uma espécie de assinatura elaborada. Michael Fassbender interpreta Harry Hole, um detetive alcoólatra que vive em Oslo, o que provavelmente significa que ele é norueguês, mesmo que ele (e a maioria das pessoas) fale em inglês. Ele tem uma ex (Charlotte Gainsbourg) e uma nova colega de trabalho (Rebecca Ferguson), e logo ele tem uma bagunça de problemas ao tentar resolver o mistério do filme, passando em meio a uma grande quantidade de neve, desvios sem saída e uma variedade de personagens aleatórios (Val Kilmer, Chloë Sevigny e Toby Jones estão nesse aglomerado).

Dito isso, a sensação é que o espectador viu um filme incompleto. A narrativa parece em pedaços e, por diversas vezes, entrega cenas desnecessárias. O filme se torna um enigma para tentar entender os personagens, que não tem a história aprofundada. A história tem seu próprio pulso, sem rumo – sempre apresentando flashbacks deslocados, que parecem não fazer parte do ritmo do filme. Isso se justifica na presença de uma história paralela de outro policial, retratado por Val Kilmer, que parece não ter sua narrativa inteiramente aproveitada no filme.

O filme acerta na fotografia. Afinal, não tem como errar em meio a paisagens únicas da Noruega. As imagens das cidades geladas de Oslo e Bergen, são magníficas. Feitas quase sempre com vistas panorâmicas elas parecem representar locais feitos para parecerem cosmopolitas e densamente povoadas, mas também estranhamente remotos e proibidos.

O diretor e sua equipe vão lhe dar muito para ver, incluindo toneladas de neve branca, noites esquisitas, uma viagem europeia elegantemente genérica. No entanto, não há cola ou algo que sustente o filme – nem um pouco de vida ou uma única ideia realmente fundamentada que faça com que esse filme funcione. ‘Boneco de Neve’ se propõe a ser uma obra criminal cheia de quebra-cabeças, mas o enigma maior, é como a produtora responsável pelo filme conseguiu englobar tanto talento – começando com o diretor Tomas Alfredson e incluindo a estrela Michael Fassbender – e ainda assim, fez um filme sem emoção, apelo e tratou o conto de Nesbø apenas como uma história suplementar.