Convocado a ver um filme intitulado “Caçada Mortal”, resolvi me preparar psicologicamente para a tarefa.

Com esse nome (mais uma escolha infeliz para a longa galeria das distribuidoras brasileiras), além da presença de Liam Neeson, renascido para a glória como um astro de filmes ao estilo Tela Quente, confesso que não esperava muita coisa.

A bem da verdade, Caçada Mortal não é, de fato, grandes coisas. Mas, na longa sequência de thrillers genéricos com que o ator vem fazendo o seu pé-de-meia (e arranhando uma reputação conquistada em uma série de interpretações brilhantes na década de 1990), o filme consegue se sobressair, com uma direção segura e um roteiro bem azeitado de Scott Frank (do filme O Vigia, além do script de Minority Report, de Steven Spielberg).

Adaptação de um conto de Lawrence Block, autor de policiais cujo protagonista, o amargurado detetive Matthew Scudder, já havia sido levado às telas na década de 80, em Morrer Mil Vezes (1986 – um fiasco financeiro que custou a carreira do diretor Hal Ashby), A Walk Among the Tombstones (o bem mais interessante título americano, algo como Uma Caminhada entre as Lápides, e que remete ainda mais à influência do western na trama) mostra como Scudder se afastou do trabalho na polícia para se tornar um detetive particular, nem sempre a serviço de contratantes íntegros.

Desta vez, ele é chamado por um traficante (Dan Stevens) para descobrir quem está por trás do sequestro de sua esposa. Aliás, sequestro “só” não. A mulher do sujeito também foi estuprada, torturada, e esquartejada, mesmo com o resgate pago pelo criminoso dentro do prazo combinado. Com a ajuda de um garoto de rua (TJ, vivido por Brian “Astro” Bradley) que Scudder conhece em sua busca por pistas, ele irá se defrontar com uma dupla horripilante de psicopatas – e com uma série de dilemas morais que remetem à crise que o afastou da polícia.

A referência aparente do trabalho é Se7en – Os Sete Crimes Capitais, filme de David Fincher lançado em 1995. A ambientação sombria da história, o design de som elaborado, o clima ominoso de desintegração moral, tudo remete àquele clássico fin de siècle do diretor americano. Até a época em que a história se passa – 1999, com o temor provocado pelo bug do milênio permeando a narrativa – parece nos trazer de volta ao mundo habitado pelos detetives Mills e Somerset e o assassino John Doe.

Conseguir evocar a atmosfera daquele filme – para muitos, uma das obras-primas do cinema americano – já é um mérito e tanto de Scott Frank, que se mostra à vontade tanto no comando das câmeras quanto ao escrever os diálogos. Há tipos estranhos convincentes, boas motivações para os personagens, e a narrativa evolui bem. Mas os clichês da trama pesam sobre as virtudes, e algumas decisões equivocadas – a relação entre Matt e o garoto TJ soa forçada, uma clara concessão para “aliviar” o filme junto ao público médio; e o arrastado clímax, que intercala o confronto final com uma palestra dos Alcoólicos Anônimos, dos quais Matt faz parte – impedem que a obra atinja o nível de um Os Suspeitos (2013)

Mesmo assim, temos um policial competente, sem firulas, com Neeson agregando sua eficiência habitual, e uma produção cuidadosa, mais voltada à criação de suspense que aos tiroteios desenfreados, tão característicos da fase atual do irlandês. Um bom programa para essa época morna dos lançamentos de Natal.