O adjetivo que mais me vem a cabeça para definir Canastra Suja é desagradável. Muitas vezes vem um porém após uma afirmação dessas, como uma compensação, mas não no caso do filme de Caio Sóh. O longa foi todo planejado para ser uma experiência tensa, angustiante, e assim ocorreu até o fim, sem surpresas e reviravoltas. E sem dúvida é uma pena que isso não se concretize como uma potência do trabalho.

Ao contrário do clichê, o filme nem vende a ideia de uma família que nas aparências está feliz e por dentro desestruturada. Logo no início já vemos Batista (Marco Ricca), o pai da família, indo a contragosto numa sessão dos Alcoólicos Anônimos para ajudar a combater o vício que o torna agressivo com a família. Sua esposa, Maria (Adriana Esteves), está à beira de um ataque de nervos preocupada com a condição do marido, com os problemas dos filhos, e também com segredos íntimos que esconde de todos. Emília (Bianca Bin) e Pedro (Pedro Nercessian) são os filhos mais velhos, que parecem sempre sem rumo, jogando com a sorte em situações que não podem controlar. Soma-se a eles a filha mais nova, Rita (Cacá Ottoni, excelente), uma adolescente autista que claramente não possui um lar adequado para acolhê-la. Em suas relações egoístas e incompreensivas, os personagens vão criando situações que tornam tudo verdadeiramente perigoso para todos.

Pela temática, o filme pode sugerir semelhanças com elementos presentes na obra de Nelson Rodrigues, ou ainda emprestar o conceito de família nociva e desestruturada de  Killer Joe (2013). Só que bem distante da qualidade de texto das obras citadas. Enquanto no filme de Friedkin há personagens (desprezíveis, mas bem construídos, complexos) que possuem motivação para agir, e que o faziam de maneira coerente com o universo que habitam, no roteiro de Caio Sóh eles parecem fazer mal por pura falta de capacidade de fazer outra coisa. Não parecem pessoas de verdade, apenas seres estereotipados que estão no meio do mundo cão e só sabem rosnar e se agredir.

Canastra Suja é um filme carregado, em que todos os elementos estão em alta intensidade, resvalando regularmente no exagero, como uma montanha russa que acelera em espirais para o fundo e nunca retorna. E acompanhar isso desgraça após desgraça, cria uma verdadeira fadiga no espectador. A falta de nuances, de momentos de respiro, sugere falta de habilidade da direção na condução da trama, que parece confiante demais na “força” das suas cenas. Só que tal intensidade está voltada sempre pra mesma coisa, não há repertório.

A câmera na mão, tremida, movimentando-se pelo espaço através de planos-sequências, somada a uma fotografia fria, de cores dessaturadas, trazem urgência aos conflitos, mas, ao mesmo tempo, deixam o trabalho com soluções visuais escassas e empobrecidas, sem parecer que tenha havido um refinamento maior na decupagem. Cenas com potencial dramático interessante, como a sequência do almoço pós-reunião no AA, são atrapalhadas pela câmera, que aparentemente seria mais potente se fosse menos nervosa e mais observadora.

O elenco possui papel fundamental na condução de tanta intensidade, e vai bem na medida que o texto permite. Quem mais se destaca é Ricca, que cria Batista como uma figura agressiva, bruta, mas com um senso de humor estranho e oportuno, fazendo com que seus acessos de fúria ganhassem ainda mais peso. E é uma pena ver uma atriz como Esteves prejudicada por uma personagem tão mal construída. Maria possui um arco dramático indefensável (a cena dela malhando é inverossímil), que culmina numa explosão que parece cena de novela, com a atriz se esgoelando artificialmente como se isso fosse sinônimo de intensidade dramática.

É inusitada a escolha da direção de, durante os créditos finais, exibir fotos da equipe nos bastidores da produção, sorrindo, harmônica, divertindo-se enquanto realizavam o seu trabalho. Contrastando de maneira brutal com o filme inóspito que acabara de ver. É, certamente deve ter sido mais agradável fazer o filme do que assisti-lo.