Foi em clima de nostalgia e empolgação geral que a timeline de muita gente recebeu a notícia de que o Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo promoveria a mostra “Castelo Rá-Tim-Bum – A Exposição”, em homenagem aos 20 anos do programa infantil da TV Cultura. Afinal, basta notar a grande repercussão positiva em torno do assunto para se ter uma noção de como a série e seus personagens marcaram a infância de muita gente nascida nos anos 90.

Exposição em São Paulo traz o fenômeno da TV Cultura de volta à boca de todos e o Cine Set recorda o filme adaptado da série.

Em cartaz desde o dia 16 de julho até 12 de outubro, a exposição reúne peças do acervo do programa, de objetos de cena a fotografias e figurinos dos personagens, além de recriar ambientes cenográficos e propor a imersão do público no universo do Castelo. A mostra é realizada pelo MIS com o apoio da TV Cultura e Fundação Padre Anchieta, e dá continuidade à boa fase de exposições do espaço, que já trouxe recentemente mostras dedicadas ao mestre Stanley Kubrick e David Bowie.

O programa

Produzido e transmitido pela TV Cultura entre 1994 e 1997, Castelo Rá-Tim-Bum foi criado pelo dramaturgo Flávio de Souza e o diretor Cao Hamburger, e se destacou como um dos mais bem-sucedidos programas televisivos destinados ao público infantojuvenil, rendendo até mesmo premiações internacionais, como no Festival de Nova York de 1995. No seu auge, a série conseguiu o feito de atingir a média de 12 pontos de audiência, um sucesso jamais repetido por um programa educativo ou outro quadro da emissora.

Talvez o motivo de tanta popularidade estivesse na riqueza da direção e do roteiro do programa: o programa mesclava quadros pedagógicos com as peripécias do feiticeiro Nino (interpretado por Cássio Scapin), um “garoto” de 300 anos que vivia com os tios (Rosi Campos e Sérgio Mamberti) no castelo e fazia amizade com três outras crianças “normais”: Pedro (Luciano Amaral), Zequinha (Freddy Allan) e Biba (Cynthia Rachel).

A cada episódio, as crianças se divertiam com a presença das criaturas do castelo, como a famosa cobra Celeste (curiosamente feita por um homem, Álvaro Petersen Jr.), ou outros personagens convidados, como a Caipora (Patrícia Gasppar) e o alienígena Etevaldo (Wagner Bello). Além disso, uma série de quadros especiais atraíam o espectador mirim, como os passarinhos que apresentavam instrumentos musicais (quem nunca ouviu alguém cantar “passarinho, que som é esse…?”), a caixinha de música que mostrava bailarinos dançando ritmos diferentes e a música de Arnaldo Antunes que ensinava noções de higiene.

O Castelo nas telonas

castelo rá-tim-bum o filme morgana nino

O sucesso do programa foi tanto que rendeu versões do Castelo em outras mídias, desde os quadrinhos e o teatro até o cinema. Em 1999, Castelo Rá-Tim-Bum – O Filme chegou às salas brasileiras também pelas mãos do diretor Cao Hamburger. O longa, além de ter custado o alto orçamento de mais de R$ 7 milhões, vendeu mais de 700 mil ingressos, perdendo apenas para O Auto da Compadecida como maior bilheteria do ano.

Ao contrário da série, Cao resolveu tomar outro rumo na concepção do filme, tomando apenas a ideia do Castelo da TV como base para desenvolver sua narrativa. A intenção era expandir o universo dos Stradivarius, somente mencionados no programa como uma família de feiticeiros, e assim produzir algo que não parecesse simplesmente um episódio extra da série transposto para outra plataforma.

Para isso, os quadros educativos ficaram de lado – embora a história não deixe de ter seu ar didático em certos momentos – e muitos dos personagens conhecidos da TV também não entraram na versão cinematográfica. Do elenco original, somente alguns nomes foram mantidos, como Rosi Campos e Sérgio Mamberti na pele do tio Victor e da tia Morgana, respectivamente, e Pascoal da Conceição como o vilão canastrão Dr. Abobrinha. Quem assumiu o papel de Nino foi o ator Diegho Kozievitch, então com treze anos de idade, dando um ar mais jovem ao aprendiz de feiticeiro de 300 anos.

A arte da feitiçaria, aliás, é um elemento muito mais presente no filme do que na série: a história começa justamente com os preparativos para o alinhamento dos planetas, fenômeno importante para a comunidade bruxa. Com a proximidade do evento, Nino se vê frustrado por não ter conseguido ainda preencher seu livro de feitiços, ao mesmo tempo em que se pergunta por que é diferente das demais crianças. Nesse ínterim, a vilã Losângela (a ótima Marieta Severo), a prima malvada banida da família, se alia ao Dr. Abobrinha para roubar o livro de Morgana, tomar seus poderes e assumir o controle do castelo para se vingar de seu exílio. É quando Nino deve se aliar aos seus novos amigos – Cacau, João e Ronaldo – para salvar o Castelo e seus tios.

Cao Hamburger é certeiro ao reconhecer que não poderia simplesmente repetir o mesmo universo da TV no cinema, e o filme sai ganhando por conta de suas decisões criativas. A narrativa, cujo roteiro é de responsabilidade de Anna Muylaert, é ágil e divertida, mas mantém um aspecto importante do material original, que é a ingenuidade infantil que caracteriza a história; Castelo Rá-Tim-Bum tem tudo pra ser uma daquelas boas aventuras exibidas na Sessão da Tarde. Em tempos de muitas produções que prezam por doses pesadas de “realismo”, por exemplo, é engraçado ver a vilã escorregando em certo momento do filme como se fosse um personagem de Tom e Jerry, ou quando Ronaldo usa “tribucreia” como xingamento: a mistura de tribufu com mocreia.

Felizmente, essa dose de inocência não desqualifica o realizador nem mesmo a obra. Já é de conhecimento público que Hamburger sabe trabalhar bem com crianças, mas o seu maior talento é mesmo reconhecer a capacidade e o ponto de vista delas e não tratá-las como idiotas, como muitas produções infantis ainda fazem. Ele sabe que não há necessidade de fazer uma narrativa que se auto-explique a cada momento, subestimando a inteligência desse público. Por isso, a dose de ingenuidade do filme é, de certa forma, encantadora e bem honesta.

No mais, Castelo Rá-Tim-Bum se destaca também pelas suas qualidades técnicas, desde a direção de arte e figurino competentes em estabelecer a atmosfera do castelo e das criaturas e o deslocamento de Nino em relação aos não-bruxos; a trilha épica e orquestrada composta por André Abujamra, que ainda traz de brinde a hilária cena em que o Dr. Victor e Morgana entoam a Ópera Arepó; e, claro, um elenco reforçado. Marieta Severo particularmente se destaca como a maligna Losângela, e parece estar se divertindo à beça no papel, interpretando a vilã com propositadas doses de exagero. Matheus Nachtergaele é outro ator que surge divertido como o assistente caricato do Dr. Abobrinha.

Embora o público habituado com o seriado certamente sinta falta de muitos elementos do material original, a adaptação para as telonas se sustenta com vida própria e permanece como um bom exemplar de diversão em família, aos moldes de um Harry Potter e uma Família Addams brasileiros.

De qualquer forma, para quem quiser matar um pouco da saudade do Castelo Rá-Tim-Bum da TV, uma boa dica é conferir o documentário Desconstruindo o Castelo: O Boom do Rá-Tim-Bum, produzido por alunos do curso de Rádio e TV da Universidade Anhembi Morumbi. Quem tiver a oportunidade também não pode deixar de passar na exposição do MIS, que fica em cartaz até 12 de outubro em São Paulo.