Já houve um tempo em que as listas de best-sellers nas artes tinham certa relação com a estima dos críticos – como se o grande público e os especialistas concordassem que certas criações, por sua beleza e versatilidade, eram realmente especiais. Frank Sinatra e Beatles na música, Picasso e Van Gogh nas artes plásticas, Nabokov e Sallinger na literatura… os exemplos abundam.

No cinema, algumas das maiores bilheterias de todos os tempos já pertenceram a …E o Vento Levou (1939), O Poderoso Chefão (1972) ou O Exorcista (1973), filmes reconhecidamente cheios de mérito, que até hoje cativam multidões à base de pura e simples qualidade, acima de épocas e modas. Mas, por uma série de fatores – campanhas virais agressivas, multiplicação e enfraquecimento da opinião na internet, o “fator meme”, que reduz tudo à capacidade do filme de produzir catchphrases e cenas parodiáveis –, crítica e público já não se entendem mais. Com mortífera frequência, a lista de maiores bilheterias da história do cinema vem sendo ocupada por filmes medíocres, mas bem vendidos pelos estúdios, e de encontro com a baixa expectativa de boa parte das plateias atuais. Não se engane: a débâcle de Batman v. Superman: A Origem da Justiça é só mais uma na lista cada vez maior de megasucessos execrados pelos especialistas.

Para a lista de hoje, seguem cinco exemplos eloquentes de que sucesso de público, definitivamente, não é sinônimo de qualidade. Os números da bilheteria falam por si, mas, para a parte da crítica, usei os índices de resenhas positivas no site Rotten Tomatoes, o maior agregador de críticas da internet. Com taxas chocantes de até 5% de comentários elogiosos, meu conselho é: aproveite que há pessoas que se dedicaram a ver e analisar esses filmes para alertá-lo do perigo – e fuja o quanto antes!

  1. Cocktail (1988)

Um exemplo perfeito de tudo o que havia de errado com o cinema dos anos 1980. Artificial, afetado, insensível, inautêntico, Cocktail pretende ser uma comédia romântica charmosa e sensual sobre um bartender bonitão (Tom Cruise, logo quem) que se vira na boate à noite enquanto tenta emplacar no mundo dos negócios e do amor. A inépcia e a cafonice dos envolvidos constrangeram críticos mundo afora, mas o estrago já estava feito: puxado por sua estrela, o filme fez fenomenais 337 milhões de dólares, em valores atuais, e criou um monumento kitsch para a “década perdida”.

Bilheteria: $ 171,504,781 ($ 337,728,143 em valores recentes)
Índice de resenhas positivas no Rotten Tomatoes: 5%

  1. Sex and the City 2 (2010)

Uma das piores sequências do cinema sucede a um filme que, por si só, já era lastimável. E, o que é pior, enterrando uma simpática série dos anos 90, com uma receita que se pretende graciosa, cosmopolita e sofisticada, mas que, como vimos, é mais o oposto de tudo isso.

Infeliz, estereotipado, racista, materialista e – supremo pecado – misógino, Sex and the City 2 despreza as conquistas femininas das últimas décadas, ao eleger como protagonistas moças fúteis, consumistas, inseguras, desequilibradas e dependentes dos homens para questões de autoestima. O tom pretensamente alegre e colorido e as pontas de luminares do cinema e da Broadway não compensam a falta de humor genuíno, o artificialismo da coisa, e o ofensivo retrato da vida no Oriente Médio. Triste fim para a série de TV; tristes horas para todos que se obrigaram a ver o filme, esperançosos, até o fim.

Bilheteria: US$ 308,053,534
Índice de resenhas positivas no Rotten Tomatoes: 15%

  1. Gente Grande 2 (2013)

O fato de Adam Sandler ter emplacado uma sequência quase infalível de sucessos na última década já me fez querer mudar pra outro planeta (se você também se sentiu assim, Perdido em Marte ensina como fazer). Hoje em dia, com o ator em baixa, resta lamentar o estrago que filmes como Gente Grande (2010) e sua terrível sequência provocaram na psique de milhões de espectadores, provavelmente já bastante agredidas pelo comediante. Com seu apelo estridente ao pastelão mais rasteiro e ao diálogo mais vulgar, Sandler e comparsas (neste filme, gente como Kevin James, David Spade e até Chris Rock) deram o tom à comédia dos anos 2000, criando um dos períodos mais tristes na história do gênero. O futuro não promete ser generoso com o rapaz, mas, com seus rendimentos fenomenais, ele provavelmente não dá a mínima.

Bilheteria: US$ 246,984,278
Índice de resenhas positivas no Rotten Tomatoes: 7%

  1. O Último Mestre do Ar (2010)

M. Night Shyamalan fez por merecer um lugar acima de Adam Sandler. Afinal, nenhum diretor declinou tanto numa carreira que prometia as maiores alturas. Filme após filme, os críticos ficaram mais perplexos com a arrogância, a empáfia e a pompa com que Shyamalan cercava seus projetos, culminando na ridícula decisão de adaptar uma história que ele criou para pôr as filhas para dormir (o péssimo A Dama na Água, de 2006). E, apesar disso, fazendo sucesso!

Mas, de muitas tentativas, a mais infame tem de ser esta aqui. Uma adaptação metida a séria de um desenho animado cheio de ação (Avatar, que passa no canal Nickelodeon), O Último Mestre do Ar tem de elencar as piores incursões desse gênero em Hollywood. O péssimo roteiro, os efeitos toscos, as atuações primárias (por sinal, com atores brancos vivendo personagens asiáticos) e, sobretudo, a direção afetada de Shyamalan são a prova definitiva de que, tirando o razoável A Visita (2015), nenhum diretor conseguiu sustentar grandes bilheterias por tanto tempo fazendo filmes tão ruins.

Bilheteria: US$ 341,563,305
Índice de resenhas positivas no Rotten Tomatoes: 6%

  1. Transformers: Era da Extinção (2014)

O fundo do poço. A raspa do tacho. O vazio. A dramaticidade das frases nem começa a descrever o horror que é ver um produto tão ruim se desmembrar em vários filmes de sucesso, com a assustadora possibilidade de ganhar novos exemplares em 2017 e 2018!

Muitas sagas tentaram, com algumas batendo na trave (Alvin e os Esquilos, Piratas do Caribe, Crepúsculo), mas Transformers tem de ser o grande nêmesis do cinema na última década. A épica presepada do diretor Michael Bay vulgariza uma boa animação japonesa dos anos 1980, enchendo-a de barulho, CGI, piadas ruins, estereótipos, personagens sem carisma e um verdadeiro estupro sensório, com sua absurda profusão de planos de poucos segundos, como se a capacidade de compreensão do espectador fosse medida em milésimos.

Com cada novo pujante sucesso da saga, os críticos se perguntam se vale a pena insistir no ofício; se a paixão e o estudo dedicados do cinema durante anos, décadas, ainda servem diante de um público anestesiado por tal sobrecarga de som e fúria. O sucesso inesperado de coisas como Mad Max e O Regresso animam, mas a batalha é urgente e profunda: a crítica de cinema precisa ser capaz de apontar caminhos para o público além do uga-uga frenético e anabolizado de Transformers, desde 2007 um dos capítulos mais tristes do cinema americano – com o filme de 2014 sendo o pior entre os piores. Se, dos exemplos listados aqui, o filme é o mais bem avaliado, isso não é nenhum consolo: afinal, um monstro de 1 bilhão em renda e centenas de resenhas para apenas 18 críticos, de cem, terem achado bom? Eu ficaria desconfiado, se fosse você.

Bilheteria: $ 1,104,054,072 (15ª maior da história, segundo a Wikipedia)

Índice de resenhas positivas no Rotten Tomatoes: 18%