Uma rápida espiada nos filmes que compõem esta lista mostram que, além de talentoso, Morgan Freeman tem um gosto quase infalível na escolha dos papéis. Ainda que esse rigor tenha sido arranhado um pouco nos últimos anos, com pontas em comédias fuleiras e thrillers genéricos, Morgan, ao contrário de Anthony Hopkins, seu rival mais próximo entre os nascidos em 1937, nunca deixou de dar o melhor de si, não importa a qualidade do projeto ou o prestígio dos envolvidos.

Infelizmente, sua carreira no cinema só começou na maturidade. Nascido no Tennessee, no coração do blues e em meio a demonstrações medonhas de racismo, Freeman mostrou desde cedo um talento incomum para atuar. Sua infância foi nômade, gravitando entre estados do sul e sudoeste americano, acompanhando o pai, um barbeiro, e a mãe, que era professora. Na adolescência, ele precisou abandonar um curso de teatro para prestar o serviço obrigatório no Exército. Após esse período, porém, ele deslanchou rapidamente como um dos nomes mais promissores do teatro americano.

O cinema, uma paixão antiga, levou mais tempo. Apesar de uma ponta, sem crédito, em O Homem do Prego (1965), de Sydney Lumet, ele precisou fazer muita televisão até ganhar direito a uma chance na telona. Quando esta veio, porém, não demorou para que Morgan se fizesse notar. Apenas sete anos depois de estrear seu primeiro filme creditado, Brubaker (1980), ele seria indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, por Armação Perigosa (1987), ao lado de Christopher Reeve. Desde então, ele raramente deixou de fazer dois filmes por ano, de sucessos como Todo Poderoso (2003) até obras de arte como Os Imperdoáveis (1992). Essa trajetória de sucesso, você confere agora, em cinco filmes.

(E, só para não perder o pique, um que mostra que até intérpretes estupendos como Freeman são capazes de errar feio)

5. Conduzindo Miss Daisy (1989)

Esse filme simpático, mesmo superestimado, teve o mérito de fazer o grande público enfim descobrir Freeman. História da amizade improvável entre a teimosa Miss Daisy do título (Jessica Tandy, então com 80 anos) e seu chofer, Hoke Coleburn (Morgan), o trabalho consegue discutir de forma sensível a questão do racismo na sociedade americana. Primeira indicação a Melhor Ator.

4. Se7en – Os Sete Crimes Capitais (1995)

Aqui a coisa começa a esquentar. O trabalho que colocou o diretor David Fincher no mapa é um dos maiores suspenses já filmados, com uma direção impecável, edição, cenários e fotografia meticulosos, e um final que até hoje é capaz de desconcertar quem assiste pela primeira vez. Para completar, a ótima parceria entre Freeman e Brad Pitt, como os detetives Mills e Somerset, o primeiro sábio e ponderado, o segundo tenso e impetuoso. Mais uma prova de que Freeman, além de ser um mestre por si só, também é capaz de elevar o nível dos parceiros com quem atua.

3. Invictus (2009)

A terceira colaboração entre Freeman e o diretor Clint Eastwood permite uma rara chance de acompanhar Morgan como protagonista. E não é um protagonista qualquer: trata-se do presidente sul-africano Nelson Mandela, cuja habilidade política e estatura moral o elevaram à liderança do país e ao desmanche do apartheid após 25 anos preso.

Só mesmo um intérprete de grandeza comparável seria capaz de recriar Mandela da forma como Freeman o faz. Invictus pode não ser um filme brilhante, mas é bom, e o trabalho de Morgan mais do que justifica a conferida. Não perca.

2. Menina de Ouro (2004)

Doze anos depois de Os Imperdoáveis (1992), um dos melhores filmes de Clint Eastwood, foi à parceria com Morgan Freeman que ele recorreu para criar o que muitos consideram o seu melhor filme.

Baseado em uma história real, Menina de Ouro conta a história de Maggie (Hillary Swank), uma garçonete pobre com um talento singular nos ringues, que convence o velho treinador Frankie Dunn (Eastwood) de que esta pode ser a sua última chance no esporte.

Trazendo Freeman no velho papel de melhor amigo e conselheiro, desta vez como ex-lutador Eddie “Scrap-Iron” Dupris, o ator dá mais um show de autoridade e carisma, ecoando, a cada frase, a rude sabedoria das ruas. Enfim, Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

1. Um Sonho de Liberdade (1994)

Tantos anos depois, não tem jeito: Morgan Freeman, grande como for, precisa de outro filme excepcionalmente bem-sucedido para rivalizar com este aqui. Em Um Sonho de Liberdade, é incrível, tudo dá certo: o roteiro e a direção de Frank Darabont são exatos, perfeitos, a trama imaginada por Stephen King é engenhosa e cativante, e Tim Robbins e, sobretudo, Morgan Freeman, nunca mais atingiram tamanha empatia.

Freeman, claro, é o destaque da produção: embora não seja o protagonista, é o seu ponto de vista que guia a história, e seu trabalho fantástico como ator é que empresta pungência às estripulias de Robbins na trama.

História do dia-a-dia no presídio de Shawshank, cuja rotina brutal e corrupta começa a mudar com a chegada de Andy Dufresne (Robbins), um banqueiro condenado injustamente pelo assassinato da esposa, Um Sonho de Liberdade é um conjunto tão afinado que chega à sua segunda década sem perder um milímetro do encanto e da capacidade de emocionar. O mesmo pode ser dito do trabalho de Morgan Freeman aqui, razão pela qual este primeiro lugar foi uma verdadeira barbada.

O pior:

O Apanhador de Sonhos (2003)

Deve ser excesso de generosidade. O fato é que Morgan Freeman não passa um ano sem trabalhar em pelo menos um filme, não importa se o projeto é promissor ou não. Se isso às vezes resulta em agradáveis surpresas, como Medo da Verdade (2007) e a nova trilogia Batman, o mais comum são bombas como este aqui.

Escolhi O Apanhador de Sonhos pelo nível exasperador de banalidade em seu conjunto, um terror reles e sem qualquer ambição, com atuações apáticas de todo o elenco, incluindo Freeman, normalmente empenhado até se o filme não prometer muita coisa. O mesmo diagnóstico se aplica a filmes como Jogo entre Ladrões (2009), O Procurado (2008) e várias outras porcarias em seu currículo. Bom, diante de tantos filmes bons, podemos enxergar algo de positivo até nisso: é Freeman tentando tirar seus colegas da lama – ou afundando junto, em solidariedade.