É realmente um mistério a comédia ser um gênero tão subestimado. É preciso muita qualidade, talento e técnica para fazer tal gênero. Infelizmente o trabalho que é tão rico e difícil de ser feito é utilizado por uma (grande) parcela infeliz, que se utiliza de fórmulas banais, gritos, preconceito, conversando assim com os seus iguais, estabelecendo um jogo mesquinho e totalmente contrário ao que é a verdadeira comédia, e a arte.

Uns dos expoentes da boa comédia são os irmãos Peter e Bobby Farrelly. Boa comédia, aliás, talvez não seja o termo correto de se dizer. Como diria o gênio Chico Anysio, existem apenas dois tipos de humor, o engraçado e o não engraçado. Os Farrelly fazem a primeira opção.

Apesar do que possa parecer, há um jogo extremamente bem delimitado nos filmes mais bem sucedidos da dupla. Os diretores sabem utilizar com maestria elementos de estupidez e escatologia por saberem que não há razão para temer tais subsídios se eles forem justificados de maneira coerente. Uma coisa é uma comédia que tem um realizador imbecil, tratar o seu público como imbecil, fazendo assim um filme imbecil; outra, completamente diferente, e é o que os Farrelly fazem, é quando um realizador desenvolve uma trama em que os seus personagens sejam imbecis, e ajam dessa maneira. Desenvolvendo todas as suas atitudes “peculiares”, o filme não quer ofender ninguém, ele apenas tem coragem o suficiente para ir a fundo na natureza daqueles personagens, da mesma forma em que acontecem em dramas, em que há cenas impactantes de sexo, ou violência.

É preciso muita inteligência para fazer filmes como os da dupla, pois os roteiros criados também por eles exploram com sabedoria aquelas personalidades, além de conseguirem fazer o que a maioria dos diretores de comédia não conseguem: trazer coesão à trama, para que ela não se torne uma colcha de retalhos, com piadas pontuais que se seguem sem muita ligação uma com a outra. Suas tramas são simples, mas sempre bem desenvolvidas, com afetações na medida certa, sabendo a hora exata de fazer ou não uma piada, bem como trazendo leveza às tão famosas cenas escatológicas.

Ao contrário do top anterior, dos filmes do Christopher Nolan, gosto muito de todos os filmes citados como os 5 melhores. Certamente aqui estão alguns dos filmes que mais me fizeram rir na vida, que me proporcionaram a indescritível sensação de falta de ar por não conseguir segurar para si tantas risadas. E isso é tão (ou mais) forte na minha memória quanto àquele filme que tanto me fez chorar.

 

5 – O Amor É Cego (2002)

O Amor É Cego com certeza é o filme mais inofensivo dessa lista, o que não muda o fato de que ele é extremamente bem sucedido por ser realmente leve e divertido. A trama que acompanha Hal (Jack Black), um homem superficial, que só se interessa pela beleza (exterior) das mulheres, até que um dia ele é hipnotizado, e só conseguirá ver as pessoas a partir da sua beleza interior, é a chance dos diretores tratarem com leveza o tema do bullyng, e da discriminação que as pessoas fora do padrão de beleza imposto pela sociedade enfrentam. A ótima química entre Paltrow e Black, bem como as ótimas sacadas dos diretores em mesclar o olhar de Hal sobre Rosemary, com a realidade, fazem com que este filme seja um exemplo de uma boa comédia romântica.

 

4 – Debi e Lóide 2 (2014)

O filme mais aguardado da carreira dos diretores mostra-se como mais um grande acerto. Continuando a história do primeiro filme depois de 20 anos, Debi e Lóide 2 mantem a mesma porralouquice do primeiro filme, embora os protagonistas claramente não sejam mais aqueles garotos. Acertando ao fazer do segundo um filme diferente do primeiro (na medida do possível), vemos uma continuação que não nos incomoda, que surge bem vinda, adequada, pois afinal de contas é muito divertido ficar na companhia de Harry e Lloyd novamente. E os tais momentos de acesso de riso ganham novas companhias com este trabalho, como a conversa pelo celular na casa de Penny, e a sequência no carro com Travis, em mais um brilhante momento de escatologia.

 

3 – Eu, eu mesmo e Irene (2000)

Que Jim Carrey é um ótimo ator, acredito que não há mais dúvida em relação a isso. Mas apesar do que muitos falam, não apenas os seus trabalhos dramáticos mostram a sua versatilidade e talento. Um bom exemplo disso é a sua atuação nada menos que fantástica em Eu, eu mesmo e Irene, que só não foi indicada a premiações pelo fato da comédia, e o ator, serem historicamente subestimados. Trazendo o que de melhor os irmãos Farrelly podem fazer, o filme tem momentos verdadeiramente antológicos como a morte da vaca, a relação de Charlie com o motorista da limousine, e com um atendente de uma lanchonete. Filme obrigatório para os fãs dos diretores e de Jim Carrey.

 

2 – Quem Vai Ficar com Mary? (1998)

Uma explosão de criatividade, e piadas fantásticas. Acredito que essa é uma boa definição para o excepcional Quem Vai Ficar com Mary?, filme que sedimentou o caminho da dupla para o estrelato. Aqui temos circunstâncias mágicas que contribuíram para que o filme seja muito melhor do que poderia. Cameron Diaz nunca esteve tão linda, charmosa, e irresistível como neste filme, Matt Dillon tem uma das melhores atuações de sua carreira como o detetive sem caráter, encontrando um tempo de comédia que não foi mais visto em seus outros trabalhos, mas principalmente temos um inspiradíssimo Ben Stiller que está engraçado como nunca (aliás, ele nunca conseguiu repetir tamanho êxito), sendo a alma deste filme repleto de acertos, que só cresce com o tempo.

 

1 – Debi e Lóide: Dois Idiotas em Apuros (1995)

Se tudo dá certo em Quem Vai Ficar com Mary?, em Debi e Lóide as coisas vão ainda mais além. É tudo verdadeiramente hilário, todas as sacadas, até aquelas mais banais, ganham outro status quando ditas por Jim Carrey e Jeff Daniels, que tem uma química digna dos grandes casais da história do cinema. O jogo estabelecido pelos Farrelly é de extrema inteligência, sabendo que a imbecilidade dos protagonistas já é suficiente para trazer graça à história, criando assim uma simples trama policial em volta de tudo aquilo para amarrar com precisão as bizarrices do burro e mais burro. O policial bebendo xixi, o menino que ganha um pássaro sem cabeça, os devaneios de Lloyd com Mary, a morte de Joe, a briga dos dois com valentões em um café, e uma série de outros momentos estão imortalizados como alguns dos mais hilários do cinema. Obra-prima.

O pior

 

Antes Só do que Mal Casado (2007)

Se os dois diretores, em alguns momentos, caminham para uma radicalidade em seus filmes, digna dos trabalhos de Sacha Baron Cohen, em Antes Só do que Mal Casado os Farrelly realizaram o seu trabalho mais convencional, mais agradável, pouco inquieto, o mais próximo possível das comédias românticas inofensivas que chegam aos cinemas toda semana. A trama fácil, com soluções nada desafiadoras e totalmente previsíveis não contribui, e faz com que as atuações pouco inspiradas de Ben Stiller, Malin Akerman e Michelle Monaghan coloquem tudo no lugar comum do gênero, tornando o filme completamente esquecível pouco após o seu término, algo que certamente não acontece com as suas experiências mais bem sucedidas e ousadas.