No segundo semestre do ano passado eu assisti um filme que gerou muitos comentários e dividiu opiniões. Ao ler alguns escritos percebi algo que me chamou muito a atenção, parte das pessoas diziam: – “Nossa! Que filme incrível!” enquanto outras diziam: – “Nossa! Que filme péssimo!”, sempre com muita veemência. Tal título estava disponível na Netflix, fui assistir sem maiores dúvidas de que o que estaria por vir era uma obra controversa e que, pelo fato de dividir opiniões, poderia não ser de tão fácil absorção.
O Poço (2019) do diretor Galder Gaztelu-Urrutia nos mostra o cotidiano de uma série de pessoas que são submetidas a uma espécie de prisão no formato de uma gigantesca torre vertical com diversos andares. Esses prisioneiros são alimentados através de uma plataforma que percorre todos os andares permanecendo ali por um curto espaço de tempo. Ela chega no primeiro estágio cheia de alimentos, com variedade de carnes, frutas, legumes, bebidas e, consequentemente, nos estágios abaixo, a comida vai diminuindo até que, no último, só sobram as louças. O comportamento dessas pessoas frente a essa situação e o critério aleatório da administração do local faz com que, por vezes, elas estejam mais acima, podendo assim se alimentar melhor, por outras vezes em estágios mais abaixo, sofrendo as consequências da escassez de alimento. Isso tudo nos é mostrado de uma maneira bem seca e realista, causando repulsa, nojo, asco e uma altíssima tensão.
METÁFORAS E SUAS INTERPRETAÇÕES
O que podemos inferir disso tudo? Bem, como disse antes algumas pessoas limitaram-se em dizer que este é um filme ‘bom’ ou ‘ruim’. O que faz um filme atingir a qualidade ou percorrer os mais baixos caminhos para que reduzamos tais sentenças? Me parece que se buscarmos uma explicação lógica vamos nos perder numa tentativa de explicar algo que não é tangível. Este é um filme metafórico e pode, para cada um de nós, de acordo com nossas experiências pessoais e referências que trazemos ao longo de nossas vidas, suscitar diversas formas de interpretação.
A mais nítida, talvez, seja, ao meu ver, a desigualdade econômica, social e humana que nos deparamos diariamente nas ruas, nas notícias que lemos, nos lugares que transitamos. A feroz e ácida disputa por um lugar ao sol e para “se dar bem” que nossas empresas, nossos trabalhos, nossos sistemas, nos condicionam às lutas de classes. “O Poço” realiza diversas analogias entre uma situação extrema de necessidade, fome, medo com a sociedade do consumo, ou seja, a atual. É muito válido assistir, principalmente, nesse momento em que estamos vivendo uma pandemia.
Lembro-me que no início de tudo isso, em março, as pessoas estavam estocando comida, consumindo além do necessário, comprando litros de água, quilos de papel higiênico, enchendo carrinhos de álcool gel. O Poço (2019) não é sobre isso ao mesmo tempo que é. E isso pode ser ‘bom’ ou ‘ruim’, mas não é necessariamente “eu” quem define isso.
Mas quem define?
Procuro sempre buscar em mim as respostas e não exatamente no filme. Eu me pergunto: por que eu não gostei? Por que eu senti isso ou aquilo? Por que essa mensagem não me comunicou? Fazendo tal exercício eu detecto pontos cruciais que exercito, amplio a escuta e meu olhar frente a questões que não são ‘fáceis’; depois disso, eu posso continuar gostando ou não e tudo bem.
O elenco tem atuações marcantes de Iván Massagué, Zorion Eguileor, Emilio Buale, Alexandra Masangkay e Antonia San Juan, atriz espanhola que também está no filme Tudo Sobre Minha Mãe (1999) de Pedro Almodóvar, que aliás é um filme muito bom.
Ou muito ruim?