Na base do dito popular “se há fumaça, há fogo”, é possível dizer que, em qualquer lugar que exista um palco, existe um bastidor. Sob o tapete vermelho estendido sobre a Boulevard de la Croisette e as luzes do Grand Théâtre Lumière, longe das câmeras, está o Marché du Film, atividade do festival que atrai milhares de produtores e profissionais do setor e que é, para todos os efeitos, o maior mercado de cinema do planeta.

Produtoras comparecem de maneira independente, mas em vários casos, entidades nacionais de diversos países montam estandes para garantir a visibilidade de sua produção.

Atualmente, o Brasil aparece na Croisette através de um estande montado pelo Cinema do Brasil,  um programa que existe desde 2006 e, desde 2008, marca presença em Cannes.

Organizado pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp), com apoio institucional da Agência Nacional de Cinema do Brasil (Ancine), o Cinema do Brasil montou um espaço abrigou 42 empresas brasileiras na Croisette em 2017, o que, segundo a gerente executiva Leila Bourdoukan, equivale a, no mínimo, 80 projetos trazidos ao Marché.

“A gente tem, no catálogo, dois [projetos] de cada [empresa], ou, no mínimo, um, mas o que acontece é que elas vêm para cá com esses projetos no catálogo, só que todas sempre têm algo a mais que elas acabam apresentando aqui já que já vieram. Das 42 estão aqui esse ano, 39 são produtoras. As outras são um festival, um sales agent [agente de vendas] e uma distribuidora”, explicou Leila.

Segundo a gerente, apesar do espaço ser voltado primariamente para empresas associadas ao Cinema do Brasil, produtoras não associada são bem-vindas para usar as instalações.

“A prioridade é do associado, então a gente tem uma sala fechada de reunião que é super útil, uma comunicação e uma assistência, que são para os associados, mas qualquer um, inclusive não brasileiros, podem vir, sentar e usar [o nosso espaço]. O estande é grande, sempre tem gente e isso é uma coisa muito legal, porque o espaço do Cinema do Brasil em Cannes acaba sendo um ponto de referência sobre cinema brasileiro, então você tem pessoas que circulam pelo Marché que vêm até aqui querer informações sobre isso e também tem aquelas que nos usam como ponto de encontro. Esse ano, tem uns dois, três produtores que não são associados, mas que avisaram a gente antes que nos deram como referência e claro que a gente recebe super bem. Nosso negócio é filme brasileiro”, elaborou Leila.

Mannu Costa, da produtora recifense Plano 9, esteve pela primeira vez em Cannes este ano e trouxe os projetos “Amores de Chumbo”, de Tuca Siqueira, e “O Dia Em Que o Morro Desceu”, de Ludmila Curi, ambos longas de ficção, e ela conta que os avanços ocorridos em Cannes variam muito para cada projeto, o que ela diz ser verdade para todos os participantes do estande.

“No caso do ‘Amores de Chumbo’, era mais essa parte do início da distribuição e da promoção dele. No caso do ‘O Dia Em Que o Morro Desceu’, não, porque a gente precisa de co-produtor, de fundos… Depende da estratégia que você está traçando para o seu filme. É bem variado. Tem produtores aqui que estão buscando co-produções em que possam ser minoritários, o que não é meu caso. Como eu tenho filmes em vários estágios diferentes, para cada um, eu tracei uma estratégia de com quem eu deveria falar e porquê. Isso foi desde possibilidades de fundos de financiamento e laboratórios para os projetos em desenvolvimento até [acordos com] festivais para os filmes que estão começando a montagem ou já estão montados”, explicou.

Cannes, segundo a produtora, é só uma escala na jornada de um filme, com muitas etapas, entre elas, a preparação de material de apresentação e contatos prévios por e-mail tomando lugar antes da vinda ao Croisette – esquema que funciona da mesma forma para outros festivais que têm atividade de mercado. “Você precisa conhecer um pouco o ramo e saber com quem você quer falar, porque aqui fica mais difícil de você marcar as coisas. Você trabalha um pouco antes e um pouco depois, mas lugares como esse são necessários”, disse Mannu.

Ao todo, o Cinema do Brasil tem cerca de 150 associados de todas as regiões do Brasil, ainda que a gerente executiva admita que a maior parte se concentra no eixo São Paulo-Rio e é composta por produtoras. Quando eles participam de algum festival, a instituição mantém controle sobre os acordos e transações que são feitas após o fim do evento, mas não oferece parciais, segundo ela, porque o ritmo dos mercados impede uma análise dia a dia.

“Nesses dez anos de programa, a gente vem numa curva ascendente, porque é aquela coisa de fortalecer o cinema brasileiro como indústria. Provavelmente no começo não era assim, hoje a gente tem muito mais facilidades, porque a gente conseguiu conhecer todos os festivais e fazer boas relações com ele para promover o nosso cinema. Não é rápido porque nada no cinema é rápido, […] mas eu vejo [nosso balanço] como positivo”, rememorou Leila.

Com boa parte do financiamento do cinema nacional vindo de fontes estatais e o Brasil passando por uma atual crise política, seria plausível o setor ter medo do futuro, mas esse sentimento não é partilhado pela gerente executiva.

“Instabilidade política, a gente já tem há muitos anos e o cinema vem se mantendo. O grande apoio para produção, para distribuição e para fazer salas vem do Fundo Setorial Audiovisual, que é um fundo que está dentro do governo, da Ancine, mas que opera independentemente. Eu acho que a gente não vai se afetar [por isso]. Afeta quando chega na hora da exibição, pois, obviamente, num país em crise, as pessoas deixam de ir ao cinema, logo deixam de consumir o produto que a gente oferece, mas politicamente falando, acho que cinema não vai se afetar com a nossa instabilidade”, finalizou.