R$ 300 mil em jogo.

Essa é a quantia oferecida pelo edital da Fundação Municipal de Cultura e Artes (Manauscult) para o setor de audiovisual debatida durante dois encontros entre profissionais do setor de Manaus. Os debates realizados nos dias 28 de maio e 4 de junho reuniram nomes como Sérgio Andrade (“A Floresta de Jonathas”), Isis Negreiros (“Terra dos Meninos Pelados”), Keila Serruya (“Sardinhas em Lata”), Dheik Praia (“Rota da Ilusão”) e tinham como objetivo reunir as propostas de pessoas do setor para que o órgão da Prefeitura da cidade consiga montar um edital mais próximo das necessidades da categoria.

A primeira base das propostas apresentadas, defendidas por Serruya e Alan Gomes apontava para a seguinte divisão do orçamento:

– 5 projetos receberiam R$ 20 mil

– 3 projetos receberiam R$ 30 mil

– 3 projetos receberiam R$ 10 mil

– 2 projetos receberiam R$ 40 mil

O modelo dos editais da Fundação Nacional de Artes (Funarte), com a divisão sendo feita por módulos em vez de determinar que tipo de projeto – formação, produção, distribuição, pesquisa, exibição e preservação – receberia a ajuda do dinheiro público, foi a sugestão acatada na reunião do dia 28 de maio. Além disso, a necessidade de uma comissão julgadora com, pelo menos, uma parte dos membros vinda de fora do Amazonas e o feedback para os realizadores de propostas não aprovadas também foram colocados em discussão.

Com a presença de apenas quatro pessoas do primeiro encontro e outras 14 diferentes, a reunião do dia 4 de junho apresentou novos rumos e propostas para o edital. Entre as mudanças estava a ideia de premiar projetos com valores que variavam de R$ 10 mil a R$ 100 mil até que a cota máxima fosse atingida. A maior parte dos integrantes da discussão defendeu que R$ 200 mil deveriam ser destinados ao setor de produção, o que gerou um intenso debate.

A ideia, porém, não chegou a ser definida totalmente e ficou aberta, assim como a quantidade de membros de outros estados que deveriam fazer parte da comissão e quais os critérios serão levados em conta para julgar os projetos. Um encontro definitivo deve ser realizado na próxima semana para acertar as sugestões da categoria.

Visões opostas marcam reunião

Para o cineasta Sérgio Andrade, o debate é fundamental para o crescimento do setor em Manaus. “Gostei do nível elevado da discussão. Precisamos baixar a guarda algumas vezes e escutar o que o outro sugere. Isso é bom. Considero que o valor de R$ 300 mil ainda é insuficiente, porém, precisamos mostrar aos órgãos públicos que podemos dar retorno desse investimento e tentar transformar Manaus em um pólo cinematográfico, como aconteceu em outras cidades do Brasil”, disse. O cineasta de filmes como “Cachoeira e “A Floresta de Jonathas” afirmou ainda que o Amazonas precisa se concentrar nos trabalhos de formação e pesquisa, além da intensificação da produção, apostando no profissionalismo do setor.

Já uma das mais experientes produtores audiovisuais do estado, Isis Negreiros, a realização do edital é um ponto fundamental para o setor em Manaus. Segundo ela, o projeto traz novas ideias e pode gerar bons frutos. “É um bom começo. Precisamos ter um diálogo mais aberto e, independente da área, atuarmos juntos para construir uma nova mentalidade”, declarou, afirmando, assim como Sérgio, a necessidade da profissionalização do cinema local.

O resultado do segundo dia de reuniões não agradou a todos. “Infelizmente, somente se fala em produção nessas discussões. Temos outros cinco campos completamente esquecidos. Além disso, as reuniões, muitas vezes, costumam se alongar sem chegar a algum ponto. Falta mais diálogo na categoria para evitar esta demanda reprimida de assuntos”, afirmou o produtor cultural, Allan Gomes. Ele ainda sugeriu a criação de um espaço para a discussão da área, citando como o exemplo do Fórum da Música no Amazonas.

Opinião Cine SET

Mesmo após quase cinco horas de reuniões, os resultados ainda deixaram muitos espaços para serem discutidos. Evidente que o debate para a construção de um edital com R$ 300 mil vindos dos cofres públicos precisa ser tratado com muito cuidado e atenção pela classe que será beneficiária. Porém, as reuniões realizadas na sede da Manauscult expuseram um fato preocupante: a ausência de discussões sobre o cenário local entre os próprios realizadores do audiovisual da cidade.

Tal situação já havia sido demonstrada nas conversas entre os diretores dos curtas locais nas edições do Amazonas Film Festival. As expressões de surpresas dos cineastas sobre como cada um conseguiu realizar seu filme e o desconhecimento em relação ao seu concorrente apontavam para isso. A falta de unidade de pensamento nessas duas reuniões, com propostas quase opostas uma da outra, reforça ainda mais essa tese.

A iniciativa do diálogo não deve partir dos órgãos públicos e sim dos nossos produtores audiovisuais e cineastas. Sofrendo na pele as dificuldades para se fazer filmes, clipes, web TV, são eles que sabem o que precisamos para tornar essa atividade lucrativa e com gestão profissional no Amazonas. Porém, a troca de experiências é necessária até como forma de mapeamento do cenário e necessidades. Isso acontece ainda de forma muito pequena e esporádica em Manaus.

Que as reuniões do edital da Manauscult sejam um ponto de partida para a criação de um espaço para tratar o cinema amazonense de forma séria. Ou então continuaremos vivendo de pessoas abnegadas pela arte ou com disponibilidade de tempo para realizar o seu hobby, realizando filmes somente para o Amazonas Film Festival.