Rampage. Jogador Número Um. Deadpool 2.

São três dos filmes com maior bilheteria no primeiro semestre de 2018. Ambos são atraentes visualmente, imergem o espectador para dentro do ambiente que apresentam e exprimem uma carga de adrenalina necessária para que a narrativa possa ser aceita. Pelo menos, durante a projeção, já que nem os efeitos visuais e nem os artistas populares presentes são capazes de causar uma catarse e eternizar-se narrativamente.

Seguindo um caminho oposto, produções como This is Us, NCIS, Empire – que foram campeões de audiência na última temporada – trazem artifícios visualmente mais simples, escalam elencos mais heterogêneos e evidenciam histórias que dificilmente são abordadas na sétima arte. Principalmente em obras ligadas a estúdios.

Talvez, você deva estar se perguntando porquê destacar essas diferenças. Bem, elas são importantes ao observar como as séries mais populares da TV vêm apresentando um refinamento diante dos filmes com bilheterias mais expressivas. E para ampliar a discussão sobre isso, escolhemos uma característica essencial para a produção audiovisual: o roteiro.

E aí, surgiu a indagação: por que os textos das séries de TV têm sido mais interessantes que os do cinema americano?

Quantidade de Roteiristas 

A produção televisiva funciona como um time esportivo. Pensar um programa de TV é um exercício que envolve mais do que uma mente individual e não me refiro apenas às equipes técnicas que atuam nos bastidores para que a programação se sustente, mas também a quem arquiteta o produto.

Nas produções seriadas americanas existe o showrunner, o criador da série televisiva. Quem responde a essa função é o roteirista-chefe, responsável por ser o “cabeça” da sala de roteiristas. Enquanto para cada produção cinematográfica existem em média de dois a três roteiristas envolvidos, nas séries norte-americanas esse número é duplicado, tendo até mesmo produções que abarcam 12 profissionais da área.

“O conceito da sala de roteiristas é o segredo para o sucesso da TV americana” – é o que afirma a roteirista de “Mad Men“, Janet Leahy. As histórias não chegam prontas para uma temporada: é a reunião dos roteiristas para discutir as tramas do ano que garantem o desenvolvimento da narrativa.

Como um time que reúne pessoas com habilidades diferentes em prol de um bem comum, a sala de roteiristas precisa ter uma mistura cultural, social e de gêneros. É necessário ser composta por pessoas que conheçam a situação que estão escrevendo, afinal a sala é mais inteligente que o indivíduo. Por isso, como numa equipe esportiva, ter mais harmonia e menos ego é ingrediente fundamental para que a produção seriada avance.

O Roteirista no SET

O roteiro não é como uma receita do Tastemade que basta seguir e você terá o resultado almejado. Está mais para uma função que vai mudando de acordo com o valor das variáveis. Suas mudanças ocorrem durante as filmagens, depois delas – uma vez que as falas podem ser refeitas e sincronizadas com as cenas já gravadas – e até mesmo no momento da montagem, quando algumas falas podem ser cortadas. Por isso, a presença do roteirista no set é um diferencial para as séries norte-americanas.

Tal importância ocorre, especialmente, para ter conhecimento se a cena está funcionando. Há momentos que durante a leitura do roteiro com o elenco, ao ouvir os diálogos em voz alta, o roteirista – que também atua como produtor – e/ou o diretor sintam que uma fala precisa ser alterada. Não há espaço ou tempo para o luxo de cenas que não fazem a história avançar. Na televisão, as coisas acontecem rapidamente e é importante que haja um roteirista acompanhando e em diálogo com o diretor para que a validação da intencionalidade da cena possa ser feita, sem que a mão da direção pese. A sutileza é uma das maiores belezas que a escrita, em qualquer âmbito, pode oferecer.

No cinema, o caminho do roteiro é diferente. Depois de escrito, o estúdio o passa a um diretor para gravá-lo. O diretor o reescreve e produz segundo o compreende. Outro fator que impera no cinema é que caso o roteiro “pronto para gravar” não agrade, outro roteirista é contratado para trabalhar em cima do projeto. Esquecendo totalmente quem o havia criado.

Contato com o Diretor

 Na TV, o roteirista é rei. Prova disso é que os nomes conhecidos por trás de um seriado são os showrunners. Dificilmente, você lembrará que Jeremy Podeswa, Denzel Washington e Reed Moreno dirigiram episódios de “Game of Thrones”, “Grey’s Anatomy” e “The Handmaid’s Tale”, respectivamente. Porém D.B. Weiss, Shonda Rhimes e Bruce Miller são nomes frequentes na boca do público, especialmente se querem culpar o andamento da série, e levam a assinatura de roteiristas-chefes desses programas.

Os seriados televisivos funcionam como programa do autor, “ao passo que, no cinema, os roteiristas são muitas vezes eliminados do processo depois que o roteiro é entregue. No cinema, quando o roteirista não está presente, as pessoas pintam e bordam no roteiro.”, afirma o criador de “”Boardwalk Empire”, Terence Winter.

Pela presença do roteirista no set ser um diferencial na TV norte-americana, isso acaba levando a um contato mais efetivo entre o diretor do episódio e o roteirista. Há encontros individuais entre os dois que permite um estudo aprofundado da narrativa, possibilitando uma conexão interpretativa que alcança o público.

Além do fato de que alguns roteiristas também assumem o posto de diretor, enquanto, no cinema, o processo reverso – diretor tornando roteirista – seja mais popular, salvo algumas exceções. Colaborando para estabelecer o tom do seriado. Um exemplo disso é Tim Van Patten, que roteirizou “Família Soprano”, “The Pacific” e “Boardwalk Empire” e é responsável por ditar o tom visual de “Game of Thrones”, já que apresentou Westeros ao público ao assinar os dois primeiros episódios da série da HBO.

Condução da Trama

Jane Espenson, roteirista de “Buffy, a Caça-Vampiros”, conta que um dos segredos para a audiência das séries que roteirizou é escrever o que queria assistir. A televisão, de forma geral, proporciona um ambiente em que se pode experimentar ao variar gêneros, narrativas, direções, essências. Tudo isso, porém, dentro de uma coerência na narrativa do programa.

Algo interessante da sala dos roteiristas é que, apesar de haver um número quantitativo de pessoas reunidas para escrever um mesmo programa, há uma única voz contando a história. Escrever para televisão – isso também se aplica às telenovelas – é se encontrar dentro da visão de outra pessoa, agregando seus pontos positivos e suas limitações. São histórias diferentes e temas diferentes para cada episódio e temporada, mas apesar disso, precisam aparentar uniformidade e coerência na maneira que são abordadas e na voz utilizada para contá-las.

A narrativa é movida pelos diferentes personagens e o sucesso está na escrita de histórias que não os comprometam na construção dos arcos e do destino da série. Daí a preocupação com os rumos inexplicáveis que alguns showrunners oferecem aos seus personagens.

E isso difere bastante do cinema de estúdio norte-americano. Perceba que as grandes séries são fruto de estúdio e é essa escrita que está sendo posta em pauta. Em analisar que o estúdio que promoveu “Esquadrão Suicida”, promove hoje “The Flash” e, como apesar de beberem da mesma fonte, possuem uma condução narrativa totalmente diferente. A sensação que emite é que a preocupação com o visual transpassa a ideia do fio condutor da trama.

Por quê?

Há o que se refletir sobre as diferenças textuais entre os grandes concentradores de público. E pode-se até argumentar que o desenvolvimento das narrativas seriadas seja mais latente atualmente por possuírem um tempo maior para contar a sua história. Entretanto, gostaria de encerrar essa conversa com as palavras de Susan Miller, roteirista de “The L World”:

“O melhor da televisão é como um romance: você tem episódios como capítulos, pode desenvolver personagens, e há espaço para as histórias. Os filmes americanos dependem muito mais de fórmulas comprovadas e da presença de celebridades.”

Se você não concorda com essas diferenças textuais, esqueça um pouco o mercado televisivo e aplique o que foi dito aos originais Netflix e pense: “Por que a escrita seriada tem sido melhor que a dos filmes?”