Dois anos depois de “As Asas do Meu Pai”, o diretor Kıvanç Sezer retoma sua investigação sobre os dilemas da sociedade turca contemporânea com “La Belle Indifference”, que estreou mundialmente no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary. A comédia sarcástica traz muito pastiche e tem todos os ingredientes para se tornar um sucesso dentre o público que gosta de risadas secas e inusitadas.

Durante os 94 minutos de projeção, Sezer, também autor do roteiro, apresenta a vida de Onur (Alican Yücesoy), um executivo de uma companhia farmacêutica em Istambul, e da esposa dele, Bahar (Başak Özcan Sezer). O casal leva uma vida confortável, em uma ótima casa, até que ele perde o emprego, colocando os dois em lados opostos.

Diante de uma mudança que coloca todo o seu status em cheque, Onur se fecha em um mundo de alucinações, onde ele pode dormir em caixas gigantes de comprimidos e conversar com zebras. O roteiro não deixa claro se esses cenários são efeitos colaterais de um medicamento vendido por seu antigo empregador, o qual ele também usa, mas esse não é o ponto que Sezer está tentando fazer.

Em vez disso, o alvo do diretor-roteirista está na inabilidade de certas pessoas, especialmente os mais ricos, em encarar a realidade. Na tentativa de escapar do seu destino, Onur dá livre-arbítrio à loucura e até mesmo abraça sistemas de crença sem sentido – como um curso de coaching particularmente suspeito – para não enfrentar seu real problema.

Seu contraponto é Bahar, que vê quão grave é a situação desde o início e tenta fazer Onur voltar à razão, sem sucesso. No entanto, como muitas esposas na ficção (e na vida real), seus apelos sensatos são taxados de incômodos e acabam ignorados.

Dividido em sete capítulos claros e intitulados, “La Belle Indifference” tem estilo para dar e vender, mas não perde de vista o que torna seus personagens cativantes. Isso significa que, embora as sequências delirantes não sejam tão anárquicas quanto poderiam ser, o filme continua sendo divertido para os fãs de humor embaraçoso, mantendo os pés na realidade.

O trabalho de Sezer com o diretor de fotografia Hatip Karabudak traz uma Istambul com iluminação suave, recheada de cores vivas – aparentemente alheia à noite escura da alma do personagem principal. Em colaboração com a montadora Selda Taşkın, eles permitem cenas longas que revelam o quão perto a maioria das situações envolvendo o casal está próxima do limite. Momentos como o passeio de táxi e o jantar que eles têm com dois amigos correm sem cortes e trazem muito desconforto.

Enquanto seu estilo de comédia faz lembrarThe Square – A Arte da Discórdia”, ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2017, a visão de Sezer sobre a estranheza da vida cotidiana é quase diametralmente oposta à de Ruben Östlund. Se o sueco retratou um mundo em que todos silenciosamente enlouqueceram, a normalidade de quase tudo em volta de Orun realça seu estado mental decadente.

O título original do filme – “Küçük Şeyler” (“Pequenas Coisas”, em tradução literal) – identifica onde está o coração do projeto. Apesar de todo o seu desdém, “La Belle Indifference” serve como um retrato da falta de comunicação conjugal acontecendo em câmera lenta, com pequenos passos levando a um silêncio absoluto. Uma vez atingido, nem mesmo as zebras ousam fazer um som.

*o jornalista viajou para o Festival de Karlovy Vary como parte da equipe do GoCritic!, programa de fomento de jovens críticos do site Cineuropa, no qual esta crítica foi originalmente publicada em inglês.

**texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.