“No futuro, todos terão eletricidade e ninguém vai se lembrar de tudo isso”, diz um dos personagens de A Batalha das Correntes, a certa altura do filme. Trata-se de um drama produzido por Martin Scorsese e dirigido por Alfonso Gomez-Rejón (“Eu, Você e a Garota que vai Morrer”) sobre a disputa real entre Thomas Edison e George Westinghouse no final do século XIX para desenvolver uma forma viável de trazer eletricidade aos Estados Unidos e, depois, ao mundo.

Benedict Cumberbatch interpreta Edison com a sua já costumeira competência, embora aqui e ali o personagem passe a ideia de repetição, pois é mais um gênio incompreendido/pessoa difícil para o currículo do ator. Já quem interpreta Westinghouse é Michael Shannon, numa composição comedida, interiorizada e bem sucedida em estabelecer o retrato de um homem que parece saber que seu tempo está passando, mas luta contra isso. E o filme ainda traz uma terceira parte para o processo, uma não menos importante, na figura do inventor Nikola Tesla, interpretado por Nicholas Hoult. Muitos espectadores de hoje devem se lembrar de Tesla por O Grande Truque (2006), de Christopher Nolan, que não deixava de abordar muito tangencialmente a disputa pela energia elétrica. Naquele filme Tesla era interpretado por David Bowie. A abertura de A Batalha das Correntes, aliás, parece fazer referência ao fantástico filme de Nolan.

Hoult fica com a parte ingrata do filme, pois seu Tesla é o menos explorado pelo roteiro.  Aliás, apesar do desenvolvimento dos personagens principais até ser bem conduzido, o roteiro do filme é meio episódico, pulando entre incidentes e sacrificando um pouco a coesão. O longa demora para engrenar, para estabelecer de fato a rivalidade entre os personagens, e quando a estabelece, a impressão é de que o roteirista quer correr. Felizmente, momentos interessantes ajudam a manter a atenção do espectador, como a mudança pela qual passa Edison, que se torna cada vez mais canalha ao longo da história; ou a subtrama envolvendo a invenção da cadeira elétrica e a primeira execução realizada com ela.

OS LAMPEJOS DE GOMEZ-REJÓN

Se o filme é morno, apesar da história interessante – afinal, esses sujeitos moldaram o mundo como nós o conhecemos – pelo menos dá para se perceber que Gomez-Rejón se divertiu contando-a. Em A Batalha das Correntes percebe-se a mão do diretor, ao menos na parte visual. Uma cena que mostra a câmera se aproximando de Edison é montada com jump cuts sucessivos. Em vários momentos, o diretor usa ângulos estranhos ou oblíquos, ou lentes olho-de-peixe, para mostrar a opressão de um personagem ou um estado emocional diferenciado. Há vários planos – muitos em computação gráfica, claro – estabelecendo cenários grandes ou multidões.  Perto do final, ele usa Split-screen para dividir a tela e mostrar vários personagens, e até o ponto de vista do sujeito executado na cadeira, mostrando a tempestade elétrica pelos seus olhos.

Tudo isso, incrivelmente, não parece mero exibicionismo enquanto estamos vendo a obra. Não na maior parte do tempo, pelo menos… Aliás, não fosse esse virtuosismo do jovem Gomez-Rejón – que já comandou pequenos filmes independentes e episódios de séries de TV – A Batalha das Correntes seria ainda mais morno. Parece esforço demais para um roteiro padrão do estilo “baseado em fatos reais”.

O filme ainda chega a cometer alguns pecados na reta final, ao glorificar além da conta a figura de Edison, praticamente apontando-o como o inventor do cinema e esquecendo-se dos Lumière e todos os outros que contribuíram ao longo dos anos para a sua criação do cinematógrafo. Bons atores como Katherine Waterston e Tom Holland também têm pouco a fazer nele. O resultado não chega a ser realmente ruim, mas acaba meio que fazendo jus à declaração relacionada no início desta critica. A Batalha das Correntes não é especialmente memorável, mas de um jeito estranho algumas cenas visuais podem até permanecer com o espectador além da sessão. Pelo menos o diretor, aqui, estava cheio de energia.

‘Donzela’: mitologia rasa sabota boas ideias de conto de fadas

Se a Netflix fosse um canal de televisão brasileira, Millie Bobby Brown seria o que Maisa Silva e Larissa Manoela foram para o SBT durante a infância de ambas. A atriz, que alcançou o estrelato por seu papel em “Stranger Things”, emendou ainda outros universos...

‘O Astronauta’: versão ‘Solaris’ sem brilho de Adam Sandler

Recentemente a revista Forbes publicou uma lista com os maiores salários recebidos por atores e atrizes de Hollywood em 2023. O N.1 é Adam Sandler: o astro recebeu no ano passado nada menos que US$ 73 milhões líquidos a partir de um contrato milionário com a Netflix...

‘Imaginário: Brinquedo Diabólico’: tudo errado em terror sem sustos

Em uma segunda à tarde, esgueirei-me sala adentro em Niterói para assistir a este "Imaginário: Brinquedo Diabólico". Devia haver umas outras cinco pessoas espalhadas pela sala 7 do multiplex. O número diminuiria gradativamente pela próxima hora até sobrar apenas um...

‘Duna – Parte 2’: Denis Villeneuve, enfim, acerta no tom épico

Abro esta crítica para assumir, que diferente da grande maioria do público e da crítica, não sou fã de carteirinha da primeira parte de “Duna”. Uma das minhas maiores críticas a Denis Villeneuve em relação a adaptação cinematográfica do clássico romance de Frank...

‘To Kill a Tiger’: a sobrevivência das vítimas do patriarcado

“Às vezes a vida te obriga a matar um tigre”.  De forma geral, “To Kill a Tiger” é uma história dolorosa com imagens poeticamente interessantes. Um olhar mais aprofundado, no entanto, mostra que se trata do relato de busca de justiça e amor de um pai para com uma...

‘O Homem dos Sonhos’: criativa sátira sobre fenômenos midiáticos

Quando li esse título a primeira vez, pensei que deveria se tratar de mais uma história patriarcal romântica e eu não poderia estar mais enganada. Dirigido por Kristoffer Borgli e protagonizado por Nicolas Cage, “O Homem dos Sonhos” aborda de forma discreta o fenômeno...

Como ‘Madame Teia’ consegue ser um fiasco completo?

Se os filmes de heróis da Marvel vêm passando por um período de ócio criativo, indicando uma possível saturação do público em relação às histórias, a Sony tem utilizado os “pseudos projetos cinematográficos” do universo baseado em propriedades do Homem-Aranha para...

‘Bob Marley: One Love’: a vulnerabilidade de uma lenda

Acredito que qualquer pessoa no planeta Terra sabe quem é Bob Marley ou já escutou alguma vez as suas canções. Se duvidar, até mesmo um alienígena de passagem por aqui já se desembestou a cantarolar um dos sucessos do cantor jamaicano, símbolo do reggae, subgênero...

‘Ferrari’: Michael Mann contido em drama sobre herói fora de seu tempo

Coisa estranha: a silhueta de um homem grisalho, a linha do cabelo recuando, adorna um balde de pipoca. É Adam Driver como Enzo Ferrari, em uma ação de marketing curiosa: vender o novo filme de Michael Mann como um grande blockbuster para a garotada. Jogada inusitada,...

‘Garra de Ferro’: um drama que não sai do quase

Garra de Ferro, o novo filme do diretor Sean Durkin, o mesmo dos bons Martha Marcy May Marlene (2011) e O Refúgio (2020), é decepcionante. Mas tinha ingredientes para ser marcante: um ótimo elenco e a base de uma história real e bastante dramática. No fim das contas,...