Documentário paraense selecionado para a mostra competitiva do Festival Olhar do Norte 2020, “À Luz do Sol” segue o caminho de produções como o amazonense “Maria”, de Elen Linth, e o longa alagoano “Cavalo”, da dupla Rafhael Barbosa e Werner Salles, marcados pela ocupação de territórios. São produções em que pessoas marginalizadas pela sociedade e alvo do puro preconceito conservador e intolerante ganham as ruas, em plena luz do dia, para mostrarem que existem como qualquer outro ser humano e merecem dignidade, respeito. 

No curta de 13 minutos com direção, roteiro, fotografia e montagem de Edielson Shinohara, somos conduzidos por Eduarda Lacerda, funcionária pública da Secretaria Municipal de Saúde de Belém, e pela estudante Isabella Santorinni. A primeira é travesti, enquanto a segunda é trans e ambas são ativistas do movimento LGBTQIA+ na capital paraense. Com carisma de sobra, elas contam sobre a falta de oportunidades de emprego levando à prostituição, a invisibilidade imposta pela sociedade a estas pessoas e como se tornaram inspiração para jovens na mesma situação delas. 

Feito pelo coletivo Cyn Produções formado por estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal do Pará, “À Luz do Sol” reflete essa origem na proximidade com uma grande reportagem por sua estrutura linear, focada nas entrevistadas sem nenhum tipo de experimentação narrativa ou visual mais ousada. O privilégio de contar com duas protagonistas tão carismáticas e comunicativas como Isabella e Eduarda, porém, fazem essa abordagem funcionar.  

Seja no bom humor ao ironizar discursos que buscam minimizar a violência contra LGBTQIA+ ou nos relatos íntimos das dificuldades enfrentadas, especialmente, por Eduarda, Shinohara consegue criar retratos que transbordam empatia e humanidade comoventes, capazes de gerar pontes necessárias para quem pouca intimidade tem para com o assunto e inspirar outras trans e travestis a acreditarem em si. Nisso, até o tom didático acaba sendo benéfico para reforçar o discurso. A construção deste cenário se conclui ao colocar estas ‘criaturas das trevas’, como diz Isabella ao citar a forma como a sociedade os olha, ganhando as ruas, postos de trabalhos e instituições de Ensino Superior de Belém. 

Se não chega a ser tão marcante nem tenha a potência das obras citadas acima, “À Luz do Sol” se mostra uma produção competente e fundamental para a constante necessidade de dar visibilidade a vozes tão suprimidas pela sociedade pela completa intolerância. Uma resistência semelhante ao amor demonstrado por Eduarda ao cantar emocionada o hino de um dos países que mais mata LGBTQIA+ no mundo. 

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