A figura do Fora-da-lei faz parte do imaginário do público do cinema através de filmes marcantes. Dos mafiosos Scarface à família Corleone passando por Bonnie e Clyde ao brasileiro Mané Galinha, de “Cidade de Deus”, exemplos não faltam deste tipo de personagens icônicos na Sétima Arte. Da Austrália, o mais famoso é Ned Kelly, o qual já teve versões estreladas por Mick Jagger (sim, o líder dos Rolling Stones) e Heath Ledger.
Agora, o diretor Justin Kurzel (do ótimo “Macbeth” e do terrível “Assassins Creed”) apresenta uma nova versão, desta vez, protagonizada por George MacKay, conhecido mundialmente após estrelar “1917”. Dividindo a trama em atos, “A Verdade História de Ned Kelly” troca o tradicional “Baseado em fatos reais” por “Nada do que está prestes a ver é verdadeiro”. Com isso, podemos, de antemão, abraçar que a obra não tem compromisso em ser uma adaptação fidedigna aos fatos, o que, por outro lado, não significa que Kurzel abre mão de debater a mítica construída ao redor de um personagem histórico e, de algum modo, representar a origem de sua natureza violenta.
Partindo da perspectiva do protagonista e contando com uma narração em off, acompanhamos parte da infância de Ned (interpretado por Orlando Schwerdt) e sua vida adulta (MacKay) até seu triste fim. O diretor, junto de um belo design de produção aliada a fotografia de Ari Wegner (“Lady Macbeth”), cria uma atmosfera onírica que passeia pelas memórias do assaltante e destrincha sua relação com a mãe Ellen, interpretada com intensidade por Essie Davis (“Babadook”).
O elo de Ned Kelly com a mãe e os traumas adquiridos em sua relação com o pai fortalece uma espécie de laço edipiano entre Ellen e o filho. Em todos os momentos decisivos da vida do rapaz, a mãe tem forte influência, sendo ela a responsável por criar uma aura mítica de que ele possui um destino a cumprir.
SÉRIAS DERRAPADAS
George MacKay constrói muito bem seu Ned Kelly, entregando camadas e motivações plausíveis ao personagem. Ao crescer em meio à miséria, o anti-herói se dá conta de que deveria lutar pelos seus e isso fica mais evidente em um momento em que vemos um policial apontando uma arma para seu filho, um bebê de colo. Com introspecção e vitalidade, Kelly é duro quando se entrega à violência seja ao lutar boxe ou executar friamente oficiais da lei. Mas também não deixa de ser intenso quando ama nas cenas com a namorada.
O diretor com o roteiro escrito por Shaun Grant também traz complexidade para os personagens que cercam ou que passam pela vida de Ned Kelly. Interpretados por gente de peso como Russel Crowe (Harry Power) e Charlie Hunnam (Sgt. O’Neill), eles funcionam como espécies de figuras paternas e modelos masculinos do assaltante. Pessoas com momentos afetuosos, mas, capazes de cometer atos condenáveis logo em seguida. Pena figuras tão interessantes com pouco tempo de tela.
Isso, entretanto, não impede que o roteiro tenha suas graves derrapadas. A formação da gangue de Ned, por exemplo, é brusca e seu modo de agir quase não é explorado e, quando nos damos conta, já estamos em um clímax. Apesar de belos, os tiroteios são confusos em nome de uma estética que beneficia o visual, mas não a compreensão de quem está assistindo.
Com humanidade e intensidade nos personagens, “A Verdadeira História de Ned Kelly” poderia ter explorado melhor as possibilidades em uma história com mais vigor. Esmiuçando o seu protagonista de maneira confusa, o western acaba soando pretensioso.