Estrelado duplamente por Seth Rogen (‘Casal Improvável’), ‘An American Pickle’ se encaixa exatamente na situação de obras literárias que são melhores no papel do que na tela do cinema. Mesmo possuindo um humor baseado em ironias, o roteiro do longa excede previsibilidade com ações repetidas de seus personagens e ainda dá espaço para uma carga dramática não correspondida por Rogen. 

O longa se baseia no conto “Sell Out” de Simon Rich, o qual também assina o roteiro da produção. Sua história acompanha o judeu Herschel Greenbaum (Rogen) como imigrante nos Estados Unidos em 1919. Trabalhando em uma fábrica de picles, Herschel cai acidentalmente em um tanque da produção onde fica preso durante 100 anos. Ao ser encontrado, ele busca conexões com sua família formada somente pelo bisneto Ben Greenbaum (Rogen  novamente), falhando em todas tentativas de aproximação. 

Como um comediante extremamente popular por filmes como ‘É o Fim’ e ‘A Entrevista’, Seth Rogen costuma assinar seus projetos no cinema com toques de improviso, o que ele mesmo admitiu como muito difícil de ser feito em ‘An American Pickles’ devido à duplicidade de papéis. Contracenando majoritariamente consigo mesmo, Rogen apresenta uma performance satisfatória, auxiliado principalmente por sua caracterização. O único problema da dinâmica entre os dois papeis é a densidade dramática linear quando ambos personagens brigam, sem diferir um do outro, parecendo uma espécie de diálogo com o espelho. 

Já a trama em si consegue aprofundar muito bem os dois personagens com conflitos pessoais bem desenvolvidos. Sua previsibilidade se baseia na perseguição entre Ben e Herschel e nos próximos passos desta briga de egos, entretanto, as situações cômicas e próximas da realidade tornam o enredo fácil de ser acompanhado, mesmo que não surpreenda em suas escolhas. 

RELIGIÃO, POLÍTICA E UM CICLO REPETITIVO 

Dirigido pelo estreante Brandon Trost, “An American Pickle” apresenta uma ampla abordagem de temáticas mais sérias. A melhor parte do humor e ironia misturados com situações cotidianas é a exclusão da necessidade de se reafirmar como um filme muito engraçado ou que defende causas. Suas críticas são feitas de forma rápida e moderada, mas nada superficial principalmente devido à frequência durante toda produção. 

Desde as condições de sua imigração, Herschel aborda amplamente a cultura como judeu e até mesmo o preconceito velado sobre. De forma muito simpática, “An American Pickle” consegue desenrolar a presença da religião e sua importância para a vida de Herschel e Ben sem parecer piegas ou ter um ar de salvação como em ‘Deus Não Está Morto’. Aqui, a religião aparece também como exemplo de pertencimento, cultura e ancestralidade, sendo o elemento que consegue realizar a conexão entre duas pessoas tão distintas 

Além disso, o filme ainda consegue fazer algumas referências à realidade como Herschel, realizando afirmações estúpidas e preconceituosas, mas sendo apoiado por várias pessoas por ser alguém verdadeiro e autêntico. O ponto alto desta narrativa sobre o personagem ter costumes e a mentalidade de 100 anos atrás é justamente o apoio popular sobre ideias ultrapassadas e mesmo a forma como ele facilmente se torna um exemplo, cogitado até a concorrer a cargos políticos. 

Para aqueles que acompanham o trabalho de Seth Rogen este torna-se um trabalho muito interessante, principalmente, por investir em um humor “inofensivo” com classificação indicativa bem abaixo do padrão de Rogen. Embora ‘An American Pickle’ não seja um filme genial, ele também não chega a ser uma total perda de tempo. Investindo fortemente na temática sobre família e no humor ácido, definitivamente é um filme divertido de ser assistido, mesmo sem poder esperar grandes surpresas positivas. 

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...

‘Instinto Materno”: thriller sem brilho joga no seguro

Enquanto a projeção de “Instinto Materno” se desenrolava na sessão de 21h25 de uma segunda-feira na Tijuca, a mente se esforçava para lembrar da trama de “Uma Família Feliz”, visto há menos de sete dias. Os detalhes das reviravoltas rocambolescas já ficaram para trás....

‘Caminhos Tortos’: o cinema pós-Podres de Ricos

Cravar que momento x ou y foi divisor de águas na história do cinema parece um convite à hipérbole. Quando esse acontecimento tem menos de uma década, soa precoce demais. Mas talvez não seja um exagero dizer que Podres de Ricos (2018), de Jon M. Chu, mudou alguma...