“Deerskin“, novo longa de Quentin Dupieux, que estreou na mostra Quinzena dos Realizadores em Cannes e foi exibido no Festival de Londres deste ano, é uma arriscada sátira sobre emasculação que não tem medo de tirar sarro de si mesma. Capitaneada por uma performance corajosa de Jean Dujardin, a comédia deve achar fãs no circuito de arte.
Dujardin, longe da persona galante que incorporou no vencedor do Oscar “O Artista”, é Georges, um homem infeliz e de pouca importância que se muda para uma cidadezinha do interior da França após se separar da esposa em meio a brigas e conflitos. Ele claramente se odeia e, numa tentativa de se sentir apreço por si, decide gastar o dinheiro que retirou às pressas de sua conta conjunta com a mulher em uma jaqueta de pele de veado.
Em seu desespero, ele começa a falar com a peça de roupa e se torna obcecado por ela, a ponto de imaginar diálogos inteiros entre os dois. Um dia, ele se convence de que ela quer ser a única no mundo e que Georges é o encarregado de se livrar de todas as outras jaquetas. Esse delírio o leva a planos cada vez mais absurdos e, eventualmente, assassinos.
OS DISFARCES DE TODOS OS DIAS
É jocosa a maneira como Dupieux, que também escreve o roteiro, compara a vida de Georges com os outros moradores da vila, na medida que, na insignificância de suas existências, todos eles se apegam a objetos numa tentativa de se sentirem importantes. De certa forma, eles se tornam armaduras que protegem as pessoas do seu vazio existencial.
O protagonista, no entanto, está tão preso dentro de um ciclo de auto-rejeição que o desejo por uma armadura passa a ser quase literal: ele se torna obcecado por qualquer roupa feita de pele de veado e passa a se filmar durante cada momento em que está usando uma.
Quando Denise (Adèle Haenel), uma garçonete e editora de vídeo amadora que se torna amiga de Georges, vê suas gravações, ele mente dizendo ser um cineasta e que as imagens fazem parte de um filme. Ela deduz que o filme é sobre a maneira como as pessoas se fecham dentro de disfarces. Para além de toda a matança, esse é o real tema de “Deerskin“.
Dujardin está perfeito na pele do psicopata tristonho (e potencialmente “incel“), incorporando um homem tão ferido que perdeu a capacidade de tomar decisões racionais. As cenas em que ele tem que contracenar com a jaqueta são absurdas e incríveis. Quando os corpos começam a aparecer pela cidade, no entanto, o humor é seco e niilista e Dupieux pondera que justiça pode salvar os homens de suas próprias inseguranças.
“Deerskin” não está preocupado em agradar a todos e seu sucesso deve ficar restrito a fãs de comédias muito ácidas. Seus detratores podem questionar sua lógica – seria impossível crimes como os do protagonista não o levarem a prisão – mas, para quem embarca em sua proposta, o longa é um dos filmes mais engraçados do ano.