O cinema nacional, nos últimos anos, dentro do seu engajamento social, tem dado um bom destaque em discutir o universo adolescente. Entre filmes que visam proporcionar apenas distrações escapistas de entretenimento em relação a esta realidade – Fala Sério, Mãe e Eu Fico Loko – há outros ótimos como Mate-me Por Favor e Ferrugem que estimulam reflexões junto ao público, por abordarem, de que maneira, as transformações da contemporaneidade atual estão impactando na realidade cotidiana dos jovens. Dias Vazios filme de estreia de Robney Bruno Almeida é a mais nova produção nacional a oferecer um tratamento diferenciado sobre a dimensão da adolescência, no que tange sua realidade emocional de conflitos, medos e preocupações. 

A obra de Almeida se assemelha muito ao gaúcho Ferrugem de Ally Muritiba, ao tocar em temáticas “tabus” dentro da nossa sociedade como a depressão, o vazio emocional decorrente da falta de perspectiva para mudanças, a incomunicabilidade entre gerações e principalmente, o suicídio. Dias Vazios não alivia em nenhum momento para o público: sua narrativa é pesarosa e Rodney mergulha de peito aberto nos assuntos, para discuti-los da forma mais transparente possível. É uma produção audiovisual pesada sobre a adolescência e sobre o vazio da alma.

A produção é baseada no livro de André de Leones, Hoje Está um Dia Morto. No filme, a história é contada pelo ponto de vista de Daniel (Arthur Avila), um jovem escritor que não se sente confortável na cidade em que vive – uma província qualquer do Centro-Oeste brasileiro – e resolve escrever um livro sobre um casal da escola, Jean (Vinícius Queiroz) e Fabiana (Nayara Tavares). Ao lado da namorada Alanis (Natália Dantas), Daniel resolve investigar a situação do casal – que passou por um evento trágico – para finalizar seu livro, ao mesmo tempo em que precisa confrontar a freira (Carla Ribas) que administra a escola.

A realidade do jovem e os seus simbolismos

Diferente da série 13 Reasons Why, Dias Vazios evita uma narrativa pop, sensacionalista e polêmica. Robney Almeida prefere mergulhar em um olhar denso, que faz o bom uso de complexos elementos metalinguísticos para explorar a fronteira entre a imaginação e realidade na mente de um adolescente. No filme, o cineasta aborda isso através da arte literária e o enorme desejo de Daniel em ser escritor. Este olhar metalinguístico é muito bem delineado pela produção quando utiliza o jogo de duplos no qual  as trajetórias do casal Fabiane e Jean ganha novos ressignificados nas ações do outro casal da história, Daniel e Alanis, instigando o público a pensar se o mesmo destino se repetirá entre os casais e qual a relação entre os dois enredos.

Aqui, os diversos simbolismos entre as histórias oferecem boas metáforas em relação à realidade juvenil e a tênue linha entre a clareza e a incompreensão de ambos os mundos – a história ficcional escrita por Daniel traz forte simbologia para aquilo que ele sente na sua vida pessoal – algo evidente nos diversos signos que o roteiro se propõe. Esta narrativa simbólica é estruturada em vários aspectos que potencializam alguns pontos de vista que o filme deseja transmitir para o seu público: a falta de comunicação entre pais e filhos mostrada na ausência de figuras parentais durante todo o longa-metragem; O vazio existencial que ocasiona a falta de perspectiva, refletindo em uma cidade de ruas vazias e sem contextos culturais acessíveis para jovens; os dogmas e rituais católicos em “desusos” presentes nas cenas de Daniel e Jean com a freira; o sexo e o cigarro como instrumentos para suavizar as ansiedades frente aos temores da morte.

Neste aspecto, o texto do filme explora a questão do rito de passagem do jovem para o mundo adulto sob a perspectiva do suicídio, onde a falta de diálogo em relação a morte – tão presente na realidade do jovem que precisa encarar seus medos diante das transformações da vida – é um dos maiores tabus ainda presentes, na nossa cultura e realidade escolar, que muitas vezes, não abrem espaço para dialogar sobre dores, perdas e medos. Dias Vazios neste ponto, coloca o dedo na ferida não apenas em ressaltar a importância de se discutir no contexto social, familiar e escolar, a depressão e o suicídio abertamente como também expõem as hipocrisias das ideologias cristãs e seus discursos religiosos clássicos, que não souberam acompanhar as transformações sociais do mundo contemporâneo para atender as angústias e necessidades do jovem, banalizando grande parte dos dogmas religiosos. Esse aspecto é facilmente observável na inquietação da fala da freira em que ela tira a Bíblia da gaveta para amenizar as angústias de Daniel.

O filme também reforça a importância das referências pessoais (os rituais e significados que estabelecemos nas nossas vidas cotidianas) que realmente façam sentido e amparem a nossa passagem perante as perdas emocionais diárias, questões estas presentes, dentro do filme, na metáfora do cachorro, o elo que liga as histórias de Jean e Daniel e que o texto sutilmente revela a enorme dificuldade que ambos personagens têm de encarar a morte simbólica, de matar o que precisa morrer em relação aos seus conflitos pessoais para assim, terem acesso a busca pessoal pelo sentido das coisas e significados.

A direção de Robney captura com competência grande parte do marasmo na qual os jovens do filme vivenciam. A fotografia sem cores, de tons acinzentados, retrata o estado de espírito daquele mundo – a cidade do filme é toda mostrada nublada – por meio de planos amplos que deixam os personagens isolados dentro do plano fílmico. É interessante que esta câmera na forma de observação deixa o longa-metragem cada vez mais intimista o que facilita a direção de Robney se apropriar bem das suas temáticas emocionalmente densas para criar uma funcionalidade reflexiva forte junto ao espectador.  Nota-se que em seu filme de estreia, o diretor apresenta um requinte estético de pulso firme que se destaca por alinhar bem o seu jogo de metalinguagem com o aspecto visual de se impor no observar de seus personagens. É uma composição de cena bonita de assistir e imageticamente com força. 

O elenco do filme incorpora bem a proposta estabelecida por ele. É claro que as atrizes se destacam bem mais que os atores. Nayara e Natália dão o contraponto ideal do sofrimento que suas figuras femininas carregam, enquanto os atores são apenas corretos em compor seus jovens atormentados. Neste ponto é curioso que neste universo juvenil, as figuras masculinas são as mais pessimistas e frágeis, enquanto as femininas são o fio de esperança e humanidade dentro da proposta. Vale também destacar o ótimo trabalho da veterana Carla Ribas responsável pelos momentos mais empáticos do longa.

Mesmo bem orquestrado, o filme derrapa só no seu último segmento (ele é dividido em três atos), muito em razão, do clímax contestável, que apresenta excessos, especialmente na resolução da sua proposta de metalinguagem em misturar realidade e ficção que não acaba respondendo plenamente às questões levantadas. Entre a melancolia e os questionamentos existenciais, Dias Vazios apresenta um forte rigor cênico formal por parte do seu diretor estreante. É um drama adolescente maduro e competente na forma como aborda temas polêmicos, desafiando o público a buscar as suas próprias respostas e justificativas para compreender o estado de consciência do mundo jovem atual.