Em uma cena de “Years and Years”, a personagem de Emma Thompson afirma que os campos de refugiados são uma nova nomenclatura para os campos de concentração. A série da HBO idealiza um pouco essa questão, no entanto “Estado Zero”, minissérie disponível na Netflix e criada por Cate Blanchett, toca no cerne dessa afirmação e expande a visão que temos sobre a convivência nesses espaços.  

Baseada em fatos reais, “Estado Zero” acompanha quatro personagens cuja narrativa se encontra no centro de detenção Barton. Tal escolha nos possibilita conhecer pontos de vista distintos da situação, pois, destaca o dia-a-dia de quem trabalha diretamente com o processo migratório e de quem tem a necessidade de se refugiar em outra pátria.

Anualmente, milhares de pessoas pedem asilo político ou fogem de seus países devido a perseguições políticas e religiosas, recessão econômica e a esperança de viver em um lugar sem ameaças de guerra. O acolhimento a essas pessoas, entretanto, apresenta a verdadeira face “humanitária” do Estado e o roteiro explicita isso por meio da identificação dos refugiados: sem nome, sem histórias e a existência ignorada no mar de burocracias. Em seu núcleo, “Estado Zero” discute como o poder das instituições é falho, abusivo e opressor.

Para representar essas ações, temos os funcionários do centro de detenção: em busca de um emprego que lhes oferte estabilidade e um bom custo de vida, comportam-se como superiores aos refugiados e acreditam que a sua atitude preconceituosa e carregada de xenofobia é positiva e transparece o ideal para o país, aproximando-os da colocação de “Years and Years”. Porém, há um cuidado do roteiro em não lhes dar uma aparência totalmente maniqueísta, evidenciando o quanto o meio pode influenciar o sujeito. Esse é o caso de Cam Sandford (Jai Courtney), que passa por uma transformação conforme aceita o comportamento do grupo e os compartilha.

SEM OUSADIA

Nesse meio, no entanto, a personagem de Yvonne Strahovski se destaca por adensar a discussão ao representar temas relacionados a assédio sexual e doenças mentais. Sua história é inspirada em Cornelia Rau, uma residente alemã que foi detida ilegalmente em um campo de detenção de imigrantes na Austrália.

A personagem, Sofie Werner, que serve como fio condutor da narrativa, é uma aeromoça que surta diante das pressões familiares. Ela encontra refúgio numa espécie de culto, que, ao invés de torná-la livre, a deteriora mental e emocionalmente. Embora a direção de Emma Freeman coloque detalhes sutis, como os planos detalhes nas mãos de Sofie e do líder religioso, é inevitável deixar de perceber que seu comportamento e olhar de pânico não sejam uma resposta traumática a abuso sexual. Infelizmente, “Estado Zero” não tem ousadia para discutir o tema, preferindo suscitá-lo em elipses e deixar subentendido.

A partir dessa decisão, a série ganha e perde. Ganha pela interpretação de Strahovski, que rouba a cena em suas oscilações de desespero, loucura e busca por aceitação. Os momentos em que ela surge em tela são sempre os mais potentes dramaticamente e o ponto alto dos episódios. Um desses ápices é a ligação silenciosa que ela faz a irmã: catártica, impetuosa e triste. Perde, porém, por não adensar a discussão, trabalhar as emoções e oferecer um olhar feminino a situação, visto que a equipe de produção é majoritariamente composta por mulheres.

A narrativa de “Estado Zero” gera agonia e parte disso é provocada pela cor amarela que aparece em todas as cenas seja por ser a cor do deserto ou a tonalidade da blusa de Sofie. Ela remete ao calor australiano, onde os eventos se passam. O sentimento que o aquecimento perpassa seria menos incômodo se não fosse ritmo lento imposto a história, que torna a trama de Ameer (Fayssal Bazzi) e Clare Kowitz (Asher Keddie) um tanto enfadonha em certos momentos. Contribui para isso, por exemplo, a ausência de reviravoltas e de ganchos nos seis episódios.

Essas carências levam a um desfecho óbvio, sem grandes emoções e sem nada inovador ao gênero. Por isso, “Estado Zero” perde em cativar a emoção do público, mas ganha em adensar discussões socialmente relevantes.

‘O Problema dos 3 Corpos’: Netflix prova estar longe do nível HBO em série apressada

Independente de como você se sinta a respeito do final de Game of Thrones, uma coisa podemos dizer: a dupla de produtores/roteiristas David Benioff e D. B. Weiss merece respeito por ter conseguido transformar um trabalho claramente de amor - a adaptação da série...

‘True Detective: Terra Noturna’: a necessária reinvenção da série

Uma maldição paira sobre True Detective, a antologia de suspense policial da HBO: trata-se da praga da primeira temporada, aquela estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, e criada pelo roteirista/produtor Nic Pizzolato. Os grandiosos oito episódios...

‘Avatar: O Último Mestre do Ar’: Netflix agrada apenas crianças

Enquanto assistia aos oito episódios da nova série de fantasia e aventura da Netflix, Avatar: O Último Mestre do Ar, me veio à mente algumas vezes a fala do personagem de Tim Robbins na comédia Na Roda da Fortuna (1994), dos irmãos Coen – aliás, um dos filmes menos...

‘Cangaço Novo’: Shakespeare e western se encontram no sertão

Particularmente, adoro o termo nordestern, que designa o gênero de filmes do cinema brasileiro ambientados no sertão nordestino, que fazem uso de características e tropos do western, o bom e velho faroeste norte-americano. De O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto,...

‘Novela’: sátira joga bem e diverte com uma paixão nacional

Ah, as novelas! Se tem uma paixão incontestável no Brasil é as telenovelas que seguem firmes e fortes há 60 anos. Verdade seja dita, as tramas açucaradas, densas, tensas e polêmicas nos acompanham ao longo da vida. Toda e em qualquer passagem de nossa breve...

‘Gêmeas – Mórbida Semelhança’: muitos temas, pouco desenvolvimento

Para assistir “Gêmeas – Mórbida Semelhança” optei por compreender primeiro o terreno que estava adentrando. A série da Prime Vídeo lançada em abril é um remake do excelente “Gêmeos – Mórbida Semelhança” do genial David Cronenberg, como já dito aqui. O mundo mudou...

‘A Superfantástica História do Balão’: as dores e delícias da nostalgia

Não sou da época do Balão Mágico. Mesmo assim, toda a magia e pureza desse quarteto mais que fantástico permeou a infância da pessoa que vos escreve, nascida no final daquela década de 1980 marcada pelos seus excessos, cores vibrantes, uma alegria sem igual e muita...

Emmy 2023: Previsões Finais para as Indicações

De "Ted Lasso" a "Succession", Caio Pimenta aponta quais as séries e atores que podem ser indicados ao Emmy, principal prêmio da televisão nos EUA. https://open.spotify.com/episode/6NTjPL0ohuRVZVmQSsDNFU?si=F1CAmqrhQMiQKFHBPkw1FQ MINISSÉRIES Diferente de edições...

‘Os Outros’: por que a série da Globoplay assusta tanta gente? 

“Não vou assistir para não ter gatilhos”, “estou com medo de ver esta série”, “vai me dar pesadelos”. Foi comum encontrar frases como estas pelo Twitter em meio à repercussão causada por “Os Outros”. Basta ler a sinopse ou assistir aos primeiros minutos da produção da...

‘Black Mirror’ – 6ª Temporada: série parece ter ficado para trás

Nem todo mundo lembra, hoje, mas Black Mirror, a série antológica de ficção científica criada por Charlie Brooker que lida com as tensões modernas em torno da tecnologia e o futuro, começou em 2011 como uma produção humilde e de orçamento pequeno da emissora britânica...