O prolífico cineasta alemão Werner Herzog retorna construindo um filme surpreendentemente tocante em cima de uma premissa absurda: “Family Romance, LCC” estreou fora da competição em Cannes e, agora, foi exibido no Festival de Londres. A obra é uma análise imperfeita das necessidades humanas em estilo que lembra o francês Michel Gondry, diretor de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”.
No filme, um empresário japonês (Ishii Yuichi) é contratado para fingir ser o pai de uma garota (Mahiro Tanimoto). Aos poucos, o roteiro – também escrito por Herzog – revela que o empresário dono de um negócio que consiste no aluguel de pessoas para promover experiências. Cenas do cotidiano de seu trabalho são alternadas com suas interações com a garota, que começa a se afeiçoar demais a ele e, com isso, gerar um problema.
A princípio, a estética sem orçamento do longa incomoda: a falta de resolução do vídeo digital é perceptível, a luz estoura em vários momentos e uma música onipresente chateia depois dos primeiros 10 minutos. O diretor, que tem uma longa carreira em documentários, até pega emprestada uma das pragas atuais do gênero: as longas tomadas aéreas feitas por drones, usadas sem nenhum propósito.
Entre ficção e realidade
Os espectadores que passarem por cima das limitações do projeto encontrarão um filme sobre as medidas extremas que pessoas tomam na busca de sentir algo ou proporcionar algo a alguém. O fato de que, na vida real, Yuichi realmente trabalha para uma empresa similar e, assim, interpreta uma versão ficcional dele mesmo dá um tom quase surreal ao filme.
O emprego de Yuichi não é muito diferente do Mr. Oscar – o protagonista de “Holy Motors”, de Leos Carax: ele vai de lugar a lugar, interpretando papéis para pessoas dispostas a acreditar em sua atuação. Pegando a empresa real como ponto de partida, Herzog quer olhar para essa auto-ilusão de frente e perguntar o que ela diz sobre a condição humana.
Nesse intuito, o diretor não faz julgamentos e reconhece o valor tanto das pessoas que fornecem essas ilusões quanto das pessoas que as pedem. Como não sentir empatia, por exemplo, da dona de casa que contrata a empresa para, regularmente, bater à sua porta e fingir que ela ganhou na loteria? Em uma vida ditada pelo ordinário, um pouco de extraordinariedade é o bem mais cobiçado.
O “conforto” do faz-de-conta
Mais pungente, no entanto, é o peso emocional de viver em um mundo de faz-de-conta. Yuichi fica encantado com a possibilidade de fingir seu próprio funeral, pois, na morte, ele encontra uma paz que sua série de papéis não lhe proporciona. Como nada a sua volta é real, ele questiona a realidade e chega a pensar que, talvez, sua própria família seja formada por atores – algo que o atormenta e expõe uma humanidade que ele não pode mostrar aos clientes.
É na habilidade de tocar grandes questões de forma quase improvisada que o talento de Herzog fica claro. Com apenas 89 minutos, “Family Romance, LLC” não tem a profundidade dos melhores do diretor, mas é um projeto cuja fascinante ideia mostra o poder que a ficção exerce na vida contemporânea.