Era uma vez, nos subúrbios de Roma, crianças que tentaram sobreviver às férias de verão a despeito de seus pais e responsáveis. Esse é o mote de “Fábulas Ruins”, drama italiano que estreou na Berlinale – onde ganhou o prêmio de melhor roteiro – e foi exibido no Festival de Londres e Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano. Bebendo diretamente da estrutura dos contos e fábulas infantis, o longa esbanja primor técnico, mas parece tão narrativamente perdido quanto seus protagonistas mirins.

Não há um grande fio narrativo, mesmo porque o roteiro escrito pelos irmãos Fabio e Damiano d’Innocenzo – que também dirigem o filme – brinca com a própria ideia de trama. Através de um narrador pra lá de suspeito (Max Tortora), o público acompanha as desventuras avulsas de crianças suburbanas em meio a um verão tórrido.

Destas, Dennis (Tommaso di Cola) e Geremia (Justin Korovkin) tendem a ter mais tempo em cena e terem seus dramas vistos mais de perto. O primeiro é fruto de um casamento disfuncional, tem uma namorada e está naquela fase em que crianças precisam desesperadamente se tornar descoladas. O segundo é marcado por uma timidez quase paralisante e quer tão-somente ser visto. Separadamente, os dois levam muito ao pé da letra um projeto de ciências que mudará suas vidas para sempre.

Um dos maiores trunfos da produção é seu impecável senso estético. Os movimentos fluidos porém furtivos de câmera do diretor de fotografia Paolo Carnera – que trabalhou no primeiro longa dos diretores bem como em vários filmes do cineasta Stefano Solima (“Gomorra”) – dão a impressão de o público está bisbilhotando a vida das personagens.

A perene sensação de que algo muito errado está para acontecer e de que os suburbanos estão a dois sopros de perderem a civilidade também é digna de nota. Ela é ilustrada perfeitamente na cena em que Dennis se engasga durante um jantar em família. Em menos de cinco minutos sem cortes, ele quase morre, o pai (Elio Germano) se zanga por ele ter se engasgado, a mãe (Barbara Chichiarelli) se zanga pelo marido ter ficado zangado e a irmã (Giulietta Rebeggiani) ri de tudo, cínica.

O problema se dá quando os realizadores tentam dar algum tipo de coesão ao quebra-cabeça que têm em mãos. À exceção da cena mencionada, as tentativas dos irmãos de abarcarem drásticas mudanças tonais não vingam, com o filme parecendo desconjuntado e o público não sabendo ao certo que história ele quer realmente contar. Por conta disso, mesmo com apenas 98 minutos, várias cenas parecem longas e sem propósito.

Esse efeito distanciador suaviza o poder da produção, ao ponto de que, quando ela finalmente dá uma guinada em seu terço final, o destino das personagens já não importa muito. É uma pena pois o subtexto da banalidade do mal no subúrbio daria um filme e tanto – mas “Fábulas Ruins” não se aprofunda nesta fábula nem em qualquer outra.

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