2014 tem sido um ano generoso em animações. Ao lado do já clássico Frozen – Uma Aventura Congelante, temos obras do calibre de Uma Aventura Lego, Como Treinar seu Dragão 2, Os Boxtrolls e agora este aqui.

Com estreia nesta quinta-feira em todo o Brasil, Festa no Céu vem se juntar aos melhores exemplares do gênero neste ano, ao casar um visual deslumbrante com uma história agradável. A animação de Jorge R. Gutiérrez, porém, acaba perdendo impacto devido a um sério problema de ritmo ao longo da narrativa.

Tudo começa quando um grupo de crianças rebeldes é mandada a um museu como castigo por travessuras na escola. Conduzidos por uma guia a uma espécie de passagem secreta do local, os jovens são entretidos com uma história sobre mitos populares do México, como o Dia da Morte, em que parentes fazem uma grande festa para celebrar a memória de entes falecidos, e divindades como La Muerte (voz de Marisa Orth), a bela e sensata governante do Reino dos Lembrados (para onde vão as pessoas que continuam na memória de seus descendentes, e onde a morte é uma festa) e Xibalba, o esperto e escorregadio senhor do Reino dos Esquecidos (o triste pouso das pessoas cuja lembrança se perdeu no tempo).

A história dos dois se cruza com a dos humanos quando Xibalba propõe uma aposta sobre o destino de três crianças. Manolo e Joaquin (voz de Thiago Lacerda) são dois amigos inseparáveis nas aventuras, e rivais pelo amor de María, filha do prefeito da cidade de San Ángel. Se Manolo, rapaz delicado e de coração puro, conquistar a moça, Xibalba deverá parar de interferir na vida dos humanos. Já se Joaquin, impetuoso e forte, for bem sucedido, a divindade espertalhona poderá trocar de lugar com La Muerte, e comandar o Reino dos Lembrados.

O mote em si já é dos mais originais e surpreendentes a ganhar uma animação de vulto. Se, ao longo de um século de desenhos animados, a morte é tratada como tabu, ou o supremo lance trágico do enredo (Bambi e O Rei Leão que o digam), em Festa no Céu ela se torna algo alegre, vibrante, uma etapa natural e digna de celebração no ciclo da vida.

Festa no Céu2

Com uma equipe extremamente talentosa por trás – o diretor e roteirista Gutiérrez, responsável pela animação El Tigre: As Aventuras de Manny Rivera, que fez sucesso no canal Nickelodeon; o produtor Guillermo Del Toro, que tem feito filmes tão notáveis quanto Hellboy 2: O Exército Dourado (2008) e Círculo de Fogo (2013) em Hollywood; e os estúdios Reel FX, responsáveis por outra animação bem sucedida, Bons de Bico, no ano passado – Festa no Céu só poderia ser mesmo um espetáculo visual, com uma caracterização criativa e arrojada de personagens e cenários. Enquanto os bonzinhos são todos feitos como bonecos de madeira, com lindas texturas na pele e roupas bastante coloridas, os vilões são criaturas de metal retorcido e aspecto exagerado. O Reino dos Lembrados é outra maravilha, com suas passagens sinuosas e verticais e sua explosão de cores lembrando o Carnaval.

O desenho tem um visual tão marcante que acredito que irá se tornar referência na animação, com seu aproveitamento criativo de elementos da cultura mexicana. Pena que todo esse esforço não tenha sido empregado no roteiro, escrito a quatro mãos por Gutiérrez e Doug Langdale. A disputa amorosa entre o trio é recheada de clichês, e sua ligação com as maquinações de Xibalba e o Reino dos Mortos só aparece tarde na história. Mas o problema maior é mesmo a montagem. O filme simplesmente passa rápido demais, a ponto de mal termos tempo de criar empatia com os protagonistas, quanto mais temer por suas vidas. Sequências que deveriam criar suspense ou estabelecer as relações entre os personagens literalmente voam pela tela ao longo da projeção.

Outro ponto problemático da história é que Manolo e Joaquin simplesmente não correm perigo. Enquanto o primeiro é um toureiro com habilidades sobre-humanas, capaz de desviar de centenas de touros ao mesmo tempo, Joaquin ganha de Xibalba uma medalha que o torna invulnerável a qualquer ameaça. Os defeitos, se não tiram a graça e o charme da animação, dificultam a empatia tão necessária entre o universo proposto no filme e os espectadores.

Um último ponto que vale a lembrança é a trilha sonora de Gustavo Santaolalla. O compositor argentino mostra mais uma vez sua perícia na criação do melhor clima para as cenas. Desta vez, além da delicada música instrumental para violão, ele ajuda a compor versões muito engraçadas de clássicos do cancioneiro pop em inglês – a versão de Manolo para “Creep”, do Radiohead, é uma das melhores –, realçando o espírito ingênuo e festivo do longa.

Com pelo menos duas qualidades que o destacam em relação a seus pares – a riqueza visual e a ousadia no tema –, Festa no Céu, se não é capaz de rivalizar com os grandes filmes da Pixar (mas quanto filmes, de qualquer gênero, conseguiriam?), fica como uma das grandes animações de 2014, com fortes chances de concorrer ao Oscar. Resta ver como se sairá Os Minions no fim do ano.

Festa no Céu3Nota: 7,5