“For Sama” é daqueles documentários que remontam experiências pessoais. Aqui, o objeto é recente e não estranho à produção recente de filmes de não-ficção, mas o viés da obra a coloca em uma categoria por si só. Indicado ao Oscar de Melhor Documentário (longa), o filme leva o espectador a Alepo, na Síria, palco de um conflito militar que deixou mais de cem mil mortos. Em meio a esse cenário de destruição, uma ponta de esperança: a pequena Sama, bebê nascida durante a guerra e que é centro de uma agridoce narrativa proposta por sua mãe, Waad Al-Kateab, que, junto com Edward Watts, assina a direção deste documentário.
Em “For Sama”, Al-Kateab não está preocupada em contar todos os pormenores da guerra ou em criar um material didático. O que vale aqui é a experiência que ela compartilha com Sama. Enquanto o exército sírio e as tropas rebeldes entram em confronto, a diretora passa por vários eventos de sua vida pessoal, sendo o nascimento da filha o mais significativo.
Al-Kateab escreve uma espécie de carta onde declara seu amor à criança. “Mãe, por que você me teve? Não acontece nada a não ser a guerra desde o dia que nasci”, diz a diretora, de forma a dar voz à Sama. que nasceu sem conhecer nenhuma coisa que não explosões, poeira, destruição e cadáveres.
‘CALMARIA QUE ANTECEDE O MASSACRE’
Nesse contexto, Sama é um símbolo de esperança, é o novo, é a vida literalmente rodeada de morte. Se isso já não estava claro, Al-Kateab e Watts escancaram os contrastes ao mostrar o nascimento da menina e, em seguida, apresentar uma cena em que a bebê, cheia de futuro e de possibilidades (ainda que nascida em uma guerra), divide o mesmo espaço que corpos de crianças mortas.
Há um senso de urgência na forma com que as imagens são capturadas. É como se estivéssemos junto àquela família, sem a menor ideia do que pode acontecer. Mesmo nos momentos mais quietos, a tensão não deixa a tela. É, como Al-Kateab diz, a “calmaria que antecede o massacre” em um lugar que não tem tempo para o luto.
Ao contar uma história tão particular, a dupla de cineastas consegue ampliar o conceito de algo que (infelizmente) é tão universal quanto uma guerra. Ali há pessoas vivendo, criando, se apaixonando e tendo filhos. E há mulheres com experiências distintas, e, ainda que a de Waad Al-Kateab não seja tão trágica quanto a de tantas outras que vivem essa realidade, é o olhar da guerra por meio de uma mãe e de sua criança que faz de “For Sama” um retrato tão próximo do que aconteceu praticamente do outro lado do mundo.