Como qualquer estudioso de Freud pode afirmar, tesão pode ser algo complicado. Em “Instinct”, estreia da atriz Halina Reijn na direção, uma nefasta atração dentro de um presídio explora os limites entre desejo e razão. Ancorado em uma atuação corajosa de Carice van Housen (a Melisandre da série “Game of Thrones”), o longa premiado em Locarno (onde estreou) e exibido no Festival de Londres é o candidato da Holanda na corrida ao Oscar de Melhor Filme Internacional 2020.
Aqui, van Housen interpreta Nicoline, uma terapeuta reservada que começa um novo trabalho numa prisão holandesa, onde é responsável por analisar o perfil dos presos prestes a serem soltos ou a serem postos em liberdade condicional. Um deles, Idris (Merwan Kenzari, o Jafar do novo “Aladdin“), mexe com ela de uma maneira inesperada.
Isso não é “Romeu e Julieta” entre grades: Idris está pagando pena por múltiplos estupros violentos e sabe muito bem que precisa convencer o grupo de terapeutas da prisão para conseguir sua condicional. Nicoline percebe a performance dele logo de cara e sua percepção só é reforçada quando ela percebe que todos os seus colegas de trabalho acreditam piamente na regeneração do preso.
O que se segue é um tratado sobre roleplay: Idris precisa fazer o papel do criminoso arrependido e Nicoline precisa fazer o papel de terapeuta durona. O problema é que, mesmo com todo o seu preparo profissional, ela acaba deixando esse jogo se transformar em uma sedução arriscada para ambos.
LINHA TÊNUE ENTRE LOUCURA E RAZÃO
O argumento mais potente que “Instinct” faz é o de que a linha que separa os sãos e os loucos é muito tênue e inteiramente dependente de performatividade. Há algo profundamente disfuncional na maneira como Nicoline às vezes se comporta como uma criança e tem uma relação estranha com a mãe, que a toca em lugares estranhos e aparece na sua casa para dormir sem avisar. O longa sugere que ela é uma pessoa traumatizada, mas como consegue se portar como alguém “normal”, ela é permitida a viver em sociedade.
A partir desse trauma, a sensação de poder que exerce sobre Idris se torna parte do erotismo da relação entre eles. A forma como o roteiro de Esther Gerritsen (a partir de uma ideia de Reijn) inverte a dinâmica estuprador-mulher em perigo é eficaz em desestabilizar o espectador, que fica a todo momento sem saber quem está realmente em risco.
A seu modo, a forma como Nicoline persegue o desejo a despeito de qualquer racionalidade torna esse filme um irmão mais realista de “Um Estranho no Lago“. Como no suspense de Alain Guiraudie, em “Instinct”, a noção de perigo pouco ou nada importa quando o tesão bate à porta. Freud explica.