De duas coisas Jon Stewart entende: política norte-americana e comédia. Então, por que seu novo filme, “Irresistible”, é o autêntico pastel de vento cinematográfico, o tipo de filme que até tem potencial, mas você esquece cinco minutos depois dos créditos rolarem? Difícil compreender. O comediante, escritor e apresentador de TV, uma personalidade bastante admirada nos Estados Unidos por apresentar por anos o The Daily Show no qual debatia política com humor, estreou como diretor de cinema com o drama 118 Dias (2014), um filme que também tinha um enfoque político bastante forte. Com Irresistível, Stewart parecia estar em terreno mais confortável. Mesmo assim, seu filme falha tanto como sátira quanto como comédia.
Na história, Steve Carrell interpreta Gary, consultor político do partido Democrata que trabalhou na campanha de Hillary Clinton. “Irresistible” começa na eleição de 2016 e, de cara, Stewart nos mostra porque os democratas perderam: porque são elitistas, vivem em suas bolhas e perderam o contato com os eleitores. A rival de Gary é Faith (Rose Byrne), a sua arqui-inimiga republicana – a seu modo, tão surpresa com a vitória de Donald Trump quanto seu oponente… Um dia, Gary vê um vídeo viral de um sujeito na cidadezinha de Deerlaken, do Estado do Wyoming. Jack (Chris Cooper), fazendeiro, ex-militar e com a maior pinta de conservador, é filmado defendendo direitos de imigrantes na assembleia do município. Impressionado, Gary viaja até a cidade e decide coordenar a campanha dele para prefeito. O fato logo atrai a atenção dos republicanos, que enviam Faith para o lugar para trabalhar na campanha do candidato rival de Jack, e logo começa a disputa pela “alma da América”.
A ideia do filme é até interessante, mas, logo fica clara a condução preguiçosa da narrativa por Stewart – ele é também o roteirista. Todo mundo é caricatural e clichê: Gary é o típico estereótipo do elitista liberal, tornando possível a Carrell repetir alguns trejeitos de suas atuações anteriores – mesmo assim, sua atuação é responsável por algumas das risadas genuínas do filme. Aliás, é curioso como vários dos momentos cômicos não funcionam – oh, o café da cidadezinha não tem wi-fi! Que engraçado… E a cena do bilionário num traje quase robótico é tão constrangedora que poderia ter ficado no chão da sala de montagem. Além disso, a cidade é uma daquelas no estilo dos filmes de Frank Capra, onde todos são gente boa e adoravelmente ingênuos.
PROPOSITALMENTE RASO?
Mas mais do que caricatural, o filme parece acima de tudo… metafórico. A história de “Irresistible” não é só uma história, é uma metáfora para a confusão e a loucura do sistema eleitoral norte-americano, onde cada vez mais o que faz a diferença é o dinheiro, e menos as ideologias. Até aí, tudo bem, mas o diretor fica o tempo todo nos relembrando de que é uma metáfora, reforçando, como se fosse assim tão complicado para entender. Fica a impressão de que o tom do filme é raso de propósito, como se o diretor estivesse subestimando a inteligência do público, tratando-nos com a mesma condescendência com que vemos Gary e sua equipe tratando os habitantes da cidade.
Mas até aí o filme de Stewart ainda se segura, aos trancos e barrancos, como uma sátira política com algumas cenas engraçadas aqui e ali. E então chega uma reviravolta no terceiro ato que transforma “Irresistible” numa farsinha sem dentes, do tipo que não ofende ninguém, nem provoca indignação. É quase uma reviravolta estilo M. Night Shyamalan, que nos faz reavaliar toda a história, e de novo, percebe-se que foi concebida com boas intenções. Ela livra a cara de republicanos e democratas e coloca a culpa “no sistema” – pode até ser crível, mas é repisar o óbvio. É nesse final que o filme definitivamente desaba, com direito até, de novo, a volta da condescendência para com o público, com a personagem de Mackenzie Davis “explicando” a moral da história para nós.
Bem, em defesa de Jon Stewart, fazer comédia nunca é fácil, e combiná-la com sátira política é o tipo de coisa que já fez cineastas com mais experiência que ele tropeçarem e falharem. Ainda assim, não deixa de ser decepcionante perceber que o Jon Stewart cineasta ainda precisa comer muito arroz com feijão para se equiparar ao Jon Stewart debatedor político da TV.