O silêncio entre gerações é o motor da trama de “Last Visit”, filme de estreia do diretor Abdulmohsen Aldhabaan. A produção teve a estreia mundial no Festival de Karlovy Vary 2019, na República Tcheca.

O longa da Arábia Saudita explora a moral e os valores do país através da relação entre Nasser (Osama Algess) e Waleed (Abdullah Alfahad), pai e filho que entram conflito durante uma visita ao doente patriarca da família. Há um conflito claro entre eles que antecedente à viagem e o fato de que ambos estão fora de sua zona de conforto piora ainda mais a situação.

Ao chegarem ao destino, há um pequeno diálogo sugerindo que, anteriormente, Nasser era o garoto que se sentia deslocado em relação às tradições da região, o que o levou a se mudar para uma cidade maior, enquanto a maioria dos seus familiares seguiram morando no vilarejo.

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Algumas décadas depois, é Waleed que agora incorpora um novo passo nesta mudança social. Ele renuncia ao grande papel que a religião desempenha na vida árabe e busca refúgio na companhia de animais, em longas caminhadas desacompanhadas e – como outros adolescentes em qualquer canto do mundo atualmente – em seu celular e fones de ouvido.

Em uma comunidade tão conectada com o seu ambiente e consigo mesma, o isolamento tecnológico de Waleed acaba sendo visto como um desafio. Diferente do pai, o qual busca passar a imagem de um homem diligente e religioso mesmo com questionamentos internos, Waleed não fica calado ao ser confrontado.

REFLEXÕES SOBRE A PERDA E SOCIEDADE PATRIARCAL

Para Nasser, toda a ocasião traz duas reflexões sobre a perda. Por um lado, o desaparecimento de Mishari, um menino local, o faz se perguntar como seria perder um filho, embora sua desconexão com Waleed faça com que ele sinta como se isso já tivesse acontecido. Por outro lado, ele guarda luto por um pai com quem, pelo que os outros personagens implicam, ele não tinha o melhor dos relacionamentos.

A ausência completa de mulheres em “Last Visit” (não há uma única na tela) fala muito sobre a dificuldade profunda de comunicação entre os homens em culturas patriarcais. Todas essas situações seriam suavizadas se mães ou irmãs estivessem presentes e agissem como mediadoras? Os espectadores são convidados a refletir.

Apesar do batido arquétipo do adolescente rebelde que Waleed acaba encarnando no filme, suas motivações, mesmo não sejam explícitas, são críveis. Ele busca uma fuga, claro, mas, também algum tipo de aprovação.  As escolhas que faz à procura disso não são diferentes das que os adolescentes fazem nos filmes americanos – uma comparação que o roteiro de Aldhabaan, co-escrito com Fahad Alestaa (seu parceiro criativo na série de TV saudita “42 Days”) permite, mas não impõe.

Junto com o editor Fakhreddine Amri, o diretor trabalha este material com muitas elipses, externando visualmente a miopia entre os principais personagens. Da mesma forma que eles não são capazes de ver o outro de uma maneira completa e compreensível, o público também não é.

“Last Visit” claramente não está preocupado em escolher lados em sua crítica à cultura islâmica. No entanto, a busca por Mishari – e sua eventual conclusão – dá ao filme impulso suficiente para concluir seu terceiro ato de modo satisfatório, embora um tanto quanto aberto.

*o jornalista viajou para o Festival de Karlovy Vary como parte da equipe do GoCritic!, programa de fomento de jovens críticos do site Cineuropa, no qual esta crítica foi originalmente publicada em inglês.