Conhecido mundialmente e extremamente popular na América Latina, Walter Mercado tornou-se uma das celebridades mais amadas do Brasil no final do século passado. Porto-riquenho, Walter enrolava um “portunhol” que tornou possível o bordão “ligue djá”, tão icônico para os brasileiros que também ganhou espaço no título nacional de seu documentário na Netflix. ‘Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado’. Além documentar a vida do astrólogo, a obra também é uma bela e respeitosa homenagem sem deixar esquecer o legado de sua vida e carreira.
Logo em sua sinopse, o filme aponta para o mistério do porquê Walter teria sumido dos holofotes no ápice de sua carreira. Particularmente eu não gosto desse tipo de abordagem que remete muito ao fervor americano por mistérios e crimes sem solução. Aqui, felizmente, o questionamento só é protagonista nos primeiros minutos do longa, enquanto Mercado se torna a figura central logo em seguida, sendo acompanhado pela equipe de produção após tantos anos longe das câmeras.
Benefícios e esforços da produção
Seja nos depoimentos alheios ou pessoais de Walter Mercado, é possível notar o direcionamento respeitoso com o qual a produção trata seu protagonista, o que ocorre em todo longa. Para além das imagens de apoio e depoimentos, as animações são um grande elemento para dinamizar sua narrativa. A história do astrólogo sendo relacionada com cartas de tarô, inclusive, é um dos ápices da semiótica para quem conhece e acredita nas cartas.
Além dos esforços para conseguir imagens antigas do astro e depoimentos de pessoas próximas e relevantes, ‘Ligue Djá’ ainda consegue guardar dois acontecimentos importantes para o final do longa. Em seu último ato, a dupla de diretores Cristina Constantini e Kareem Tabsch tira da manga um encontro do astrólogo com o ator Lin-Manuel Miranda e uma exposição em Miami sobre Mercado. A exclusividade desses acontecimentos é notoriamente bem aproveitada pela produção..
Polêmicas e representatividade
Desde ‘The Crown’ eu acredito firmemente que a Netflix tem um grande receio em se comprometer com celebridades ao abordar certos assuntos. Talvez por isso eu não tenha estranhado tanto a quase ausência de algumas polêmicas sobre Mercado, porém, ainda assim é muito fácil de notar que alguns temas são passados rapidamente na produção.
Tanto sua disputa judicial com o ex-agente quanto o debate sobre um possível oportunismo de Mercado são tema abordados superficialmente quando aparecem em cena. Apesar desta questionável omissão, entendo o ponto de vista respeitoso do longa em focar no legado positivo de Walter Mercado e, eventualmente, perguntar sobre essas situações mais embaraçosas que, pelo menos, são respondidas pelo próprio astrólogo.
Por outro lado, o debate sobre sua sexualidade é abordado de forma ampla durante todo o longa, sendo uma ótima escolha. Além de reforçar o comprometimento com a homenagem a Mercado, isso também apresenta um tema facilmente relacionável para o público consumidor do streaming. O importante aqui é como os diretores evidenciam o que Walter representava e representa até hoje para a comunidade queer e de que forma um porto-riquenho de aparência andrógina e sexualidade questionada era aceito e amado por tantas pessoas.
Com o objetivo de ser um dossiê (quase) completo sobre a vida do astrólogo, ‘Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado’ deixa surgir muitas dúvidas sobre o protagonista e, principalmente, sobre suas polêmicas. Entretanto, mesmo sem acertar em tudo, o longa é uma bela homenagem ao astrólogo, utilizando a história de Walter Mercado para abordar temas como questões de gênero e representatividade latino-americana. E o melhor de tudo isso é que a narrativa exala um desfecho com muito, muito amor.