Na minha crítica do oitavo episódio da temporada de Lovecraft Country, ressaltei como um evento real ditou o tom daquele segmento em particular. Pois neste nono episódio, intitulado “Voltando para 1921”, a série repete esse expediente, de forma até mais efetiva, ao situar sua história durante o terrível massacre de Tulsa, cidadezinha do estado norte-americano do Oklahoma, em 1921, e que recentemente voltou a ser lembrado e discutido devido à aclamada minissérie Watchmen, também da HBO. O resultado é um dos melhores episódios da temporada, se não for o melhor. (Leia mais sobre o massacre de Tulsa clicando aqui).
CRÍTICA: “Lovecraft Country” 1×01
Pois bem, o fato é que, novamente, “Lovecraft Country” usa um evento real como pano de fundo e contexto dramático para a sua fantasia, fazendo uso do bom e velho expediente da viagem no tempo, tão comum nas pulp fictions, no cinema e seriados. Quando o episódio começa, nossos heróis estão tentando desesperadamente salvar a vida da pequena Diana, amaldiçoada pelos policiais racistas no episódio anterior. Com a dúbia Christina cada vez mais tecendo sua teia junto aos protagonistas, eis que retorna Hippolyta, após explorar os vários “multiversos”, segundo ela, para salvar a filha. Ela traça um plano arriscado que envolve mandar Tic, Letitia e Montrose pela máquina do portal de volta a 1921, justo na noite do massacre, para reaver o Livro dos Nomes e usá-lo para salvar Diana – e se possível, livrar a todos das enrascadas sobrenaturais de uma vez por todas.
CRÍTICA: “Lovecraft Country” 1×02
“Voltando para 1921” é um episódio nervoso e que passa rápido. O diretor Jeffrey Nachmanoff dirige as cenas com urgência, com muita câmera na mão. Afinal, os personagens estão correndo contra o tempo, e sentimos a história se mover como um trem-bala em direção ao final da temporada. À parte a viagem ao passado, duas cenas individuais se destacam: a primeira pelo tom bizarro e forte – o momento em que Christina se livra do maligno capitão de polícia de uma vez por todas. E a segunda, pelo tom emocional e pelas belas atuações de Jonathan Majors e Michael K. Williams – o momento em que Montrose confessa a Tic que George, na verdade, é que poderia ser o pai do rapaz.
CRÍTICA: “Lovecraft Country” 1×03
E de fato, é um episódio bastante emotivo, e o roteiro consegue aliar com grande competência o mergulho no contexto do evento real e o desenvolvimento dos personagens. Todos os momentos envolvendo Montrose, por exemplo, são de cortar o coração – como muitos filhos, Tic só percebe o drama que foi a vida de seu pai, e só compreende o porquê de algumas atitudes dele em relação ao filho, ao presenciar com os próprios olhos o contexto de onde Montrose veio, sofrendo ele próprio abuso físico do pai e enfrentando não só o racismo do mundo ao seu redor, mas também sua homossexualidade reprimida. Elogiar Michael K. Williams já virou chover no molhado, mas aqui ele é realmente magnífico de novo, a alma triste do episódio, e a encarnação das várias tragédias a que homens negros são submetidos nos Estados Unidos, ainda hoje.
CRÍTICA: “Lovecraft Country” 1×04
‘SEM CONSERTO’
Letitia também ganha uma porção forte do segmento ao ser confrontada com a missão de resgatar o Livro dos Nomes. Os roteiristas e produtores a usam aqui como símbolo da esperança: Mesmo em meio a um dos mais terríveis eventos de violência racial da história dos EUA, a imagem dela andando em meio aos bombardeios na rua principal da cidade é simplesmente arrepiante. Em meio à destruição e a tudo que os personagens e as pessoas reais em Tulsa sofreram, a série consegue encontrar beleza e um símbolo de esperança no clímax do episódio.
CRÍTICA: “Lovecraft Country” 1×05
“Voltando para 1921” é mais uma ótima hora de televisão, que entretém e mantém os telespectadores investidos com sua história fantasiosa de riscos claros e ritmo acelerado, na reta final da temporada. Tem grandes valores de produção e um elenco afiadíssimo com plena compreensão de seus personagens. Mas, para além do entretenimento, existe um núcleo trágico, muito triste, dentro deste episódio em particular. A viagem no tempo é popular como instrumento em histórias devido à nossa eterna fantasia de poder voltar e consertar o que deu errado, ou ir para frente para ver se tudo deu certo em nossas vidas. Em Lovecraft Country, esses aspectos estão presentes, mas Tic, Letitia e Montrose não podem consertar nada. Podem apenas resolver seu problema imediato e torcer pelo melhor. Apesar de eles viajarem no tempo, nada vai conseguir apagar o massacre de Tulsa. Pode-se apenas usar as histórias para relembrar e nos fazer refletir, e isso Lovecraft Country fez com muita qualidade em “Voltando para 1921”.
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E que venha o final da temporada…