A cidade engole qualquer um. O ritmo nos centros urbanos altera o ânimo de qualquer pessoa. Ainda mais em uma megalópole como São Paulo, onde existe uma necessidade de cada indivíduo estar isolado em seu próprio mundo. À medida em que a humanidade busca novas formas de se conectar e interagir com os mais diversos aplicativos e redes sociais, parece haver também uma corrente que vai em direção contrária e aumenta ainda mais essa questão do impessoal.

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O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, já havia abordado este contexto ao apresentar um recorte de um condomínio em Recife com diversas pessoas e seus infinitos dramas, loucuras e vazios existenciais. Agora, o curta-metragem “Mesmo com tanta agonia”, de Alice Andrade Drummond, retoma o debate ao apresentar, logo no início, a personagem Maria, funcionária de um restaurante.

Com cortes rápidos e câmera tremida, sem dar foco a alguém necessariamente, somos levados àquele clima de correria, pressão e domínio neste ambiente. É bem competente a forma como Alice Andrade insere o espectador neste local e, portanto, entendendo o ritmo de trabalho da protagonista.

Após esta introdução, “Mesmo com tanta agonia” encaminha para o trajeto de Maria saindo do trabalho e indo para a festa de 10 anos da filha. E é neste meio que reside o grosso do curta, já que o “deslocamento” passa a ser uma espécie de rima que embala todo o curta. São longos os minutos acompanhando Maria saindo do trabalho, andando pela estação de metrô e depois esperando chegar na sua parada.

Este eterno “nada” pode fazer quem assiste se perguntar quando que vai acontecer alguma coisa e o roteiro do filme busca simplesmente negar essa expectativa. E isso não é necessariamente algo ruim, já que fornece bastante do que é a vida em um grande centro urbano. Apesar da “ação” ser a tônica em uma narrativa, neste curta é o inverso que dita o ritmo e termina servindo como uma ferramenta para tecer seus comentários sobre a vida na cidade.

Inclusive, é interessante um momento-chave ainda no metrô quando uma pessoa desce nos trilhos e o trem onde está Maria para. E o desfecho encontrado para essa situação só corrobora com essa ideia de que o “sistema” não pode parar. O ritmo da cidade já é algo pré-estabelecido, e não é uma pequena falha que vai danificar o todo. Além disso, também acaba discutindo uma certa “anestesia” que as pessoas têm com relação ao próximo, sendo outras vivências um mero detalhe em suas existências.

Ao chegar em sua conclusão, “Mesmo com tanta agonia” investe em um jogo de cores no rosto de Maria levando a filha para casa dentro do carro. onde o resultado é bastante catártico. O plano fechado na expressão da atriz Maria Leite só ressalta esse diálogo do curta com esse vazio e tédio que atravessam a obra.

Ainda que seja um filme bastante competente no que busca discutir, “Mesmo Com Tanta Agonia” poderia ser mais eficiente caso não exagerasse no tempo de algumas sequências. O tempo gasto com uma notícia no trem e a festa da filha de Maria em uma limusine se estendem demais, e acabam prejudicando a obra por ficarem batendo em uma mesma tecla mais do que o necessário.

Por fim, é louvável ressaltar também o grande número de mulheres que participam da equipe técnica de “Mesmo Com Tanta Agonia”. Filmes assim estimulam mais e mais profissionais femininas a ingressar na área, apesar de todo o machismo ainda existente no audiovisual.