Para que serve a arte? Bem, talvez sua maior serventia seja para nos fazer lembrar, resistir ao efeito do tempo, provar que existimos porque a produzimos, ou fomos retratados nela. O filme Nunca Deixe de Lembrar acaba abordando esse tema, e também serve como lembrete: ele nos possibilita recordar do seu diretor, o cineasta alemão Florian Henckel Von Donnersmarck.

Na década passada, ele impressionou o mundo com o maravilhoso drama A Vida dos Outros (2006), sucesso internacional e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Porém, depois disso, Von Donnersmarck se meteu na sua equivocada aventura hollywoodiana, o fraquinho O Turista (2010), e então sumiu. Embora o cineasta não alcance aqui os ápices de A Vida dos Outros, seu novo trabalho é um filme bom e digno que recoloca a carreira do seu diretor nos eixos.

A história do filme compreende décadas e acompanha a trajetória de Kurt (vivido na infância por Cai Cohrs e na idade adulta por Tom Schilling). Quando criança, na Alemanha nazista do final dos anos 1930, ele adora sua tia, Elisabeth (Saskia Rosendahl), mas ela acaba sofrendo um triste destino. Já adulto, e na Alemanha comunista, ele tenta se tornar artista, mas fantasmas do seu passado (e do seu país) continuam a assombrá-lo, e só através da arte ele consegue uma resposta para os traumas não só dele, mas de toda uma geração.  O filme é inspirado na vida real do pintor Gerhard Richter.

Von Donnersmarck conta essa história com o mesmo estilo sóbrio e sem pressa de A Vida dos Outros, buscando a imersão do público na trama. Sempre explorando nuances nos personagens e nas atuações, o diretor extrai performances fortes de Schilling, Sebastian Koch – retornando a trabalhar com cineasta depois de A Vida dos Outros – como o ambíguo doutor Seeband, Rosendahl e Paula Beer como Ellie. Há momentos no filme de grande beleza: cenas de amor entre Kurt e Ellie, uma longa sequência sem diálogo na qual Kurt concebe sua grande obra, uma cena em um campo de trigo, os momentos iniciais entre o menino e sua tia. A fotografia do veterano Caleb Deschanel consegue introduzir um pouco de beleza até mesmo em algumas cenas duras. “Nunca Deixe de Lembrar” tem um visual bem romântico e bonito, o que combina com o tom da história.

O tema do papel da arte dentro do filme é interessante e, algumas vezes, assume a dianteira. É curiosa a forma incisiva como o roteiro estabelece que, tanto para os nazistas quanto para os comunistas, o papel da arte é ser menos uma expressão individual e mais uma expressão dos ideais do coletivo, algo com o que o protagonista tem problemas. O professor de arte da Alemanha comunista protesta contra o “Eu, eu, eu” na arte, mas o filme em si é sobre a luta de um personagem para expressar seu eu.

DURAÇÃO, MELODRAMA: OS EXCESSOS DO FILME

De fato, esses desdobramentos, às vezes, se mostram até mais interessante que a própria trama, que é onde o filme exibe alguns problemas. A história depende de uma coincidência – o protagonista começa a ter um relacionamento justo com a filha do cara que teve grande envolvimento no destino de sua tia – o que dá ao filme tons meio melodramáticos. Melodrama não é algo que combina muito com a condução sóbria de Von Donnersmarck, e às vezes Nunca Deixe de Lembrar deixa isso claro.

Cenas que deveriam ser emotivas, como aquelas envolvendo os ônibus no início e no fim, não têm tanto impacto e parecem apenas levemente manipulativas. Outro problema do filme é a sua duração: se estendendo por três horas e nove minutos, Nunca Deixe de Lembrar é mais longo do que precisava ser e não segura bem seu interesse até o final.

Mesmo assim, o filme resgata nossa fé em um cineasta promissor que parecia ter sido mastigado e cuspido pela máquina hollywoodiana. Nunca Deixe de Lembrar, mesmo com alguns problemas, é um drama sólido com atuações sólidas e comprometidas, e que em certas cenas consegue emocionar o espectador e leva-lo a refletir sobre a arte. É o retorno de Florian Henckel Von Donnersmarck, faz com que nos lembremos dele. A arte também serve para reafirmar o artista, o “eu”.

Bem vindo de volta!