Desconhecia completamente a história Carlos Eduardo Robledo Puch até dar de cara com essa ótima cinebiografia dirigida por Luís Ortega. Produzida por um nome de peso como Pedro Almodóvar, O Anjo foi sucesso na Argentina e se deu bem com a crítica. Não é à toa: trata-se de um filme belo visualmente e instigante por conta da figura aparentemente inocente, sedutora, maligna e, por isso, fascinante de seu protagonista.

Interpretado por Lorenzo Ferro, Carlos (ou Carlitos, como prefere ser chamado pelos amigos) é um gatuno. Gosta de invadir casas de pessoas privilegiadas pela riqueza e se apropriar de coisas que não são suas. Ao conhecer uma família disfuncional de ladrões, o rapaz toma gosto pela coisa, mas, acaba revelando-se além de um ladrão bem-sucedido, um jovem com tendências homicidas.

Em um primeiro momento, o que podemos destacar é a qualidade estética do filme, um verdadeiro primor. O design de produção e os figurinos feitos por Julia Fried (oriunda da televisão) e Julio Suárez (Zama), respectivamente, são dignos de aplausos. A ambientação do clima dos anos 1070 fica ainda mais completa com a ótima trilha sonora formada por um belo repertório selecionado.

Com tudo isso à disposição, é muito bom perceber que Ortega explora os elementos sem pena. Ângulos abertos contextualizam muito bem os cenários de mansões, bares e casas noturnas de uma Buenos Aires do passado. E o diretor não deixa de criar simbolismos com cores, incluindo aí um vermelho que sempre está presente.

APARÊNCIA ANGELICAL, ATITUDES DE MONSTRO

Agora some tudo isso um elenco estupendo: a começar pela construção de personagem feita por Lorenzo Ferro. Mesmo aprontando as maiores maldades, “O Anjo” não deixa claro se o sujeito tem consciência que sua aparência angelical o ajuda a escapar de algum perigo ou seduzir, o que fomenta uma mistura de inocência e astúcia. Isso ajuda a criar momentos estranhos e bizarros – que estão por todo o filme, e o deixa imprevisível para os personagens que o cercam e quem está assistindo.

A facilidade com que Carlitos mata choca, pois, sua aparência transmite fragilidade e incapacidade para cometer tais atos. O Inusitado, ainda permeia a relação do protagonista com seu parceiro de crime, Ramon (Chino Darin) e os pais criminosos do rapaz interpretados por Daniel Fanego e Mercedes Moran (ambos excelentes). Com doses de erotismo e sedução, o crime e o sexo aqui se correlacionam e criam momentos outrora cômicos ou reveladores quanto à sexualidade de Carlos. E não deixa de ser esclarecedora e não surpreendente, a homofobia de certo personagem se consumar em uma evidente homossexualidade reprimida.

Se “O Anjo”, tem algum defeito, eu colocaria nas soluções e situações repentinas que Ortega insere seus personagens. É muito rápida a relação de confiança desenvolvida por Carlitos e a família de Ramon, por exemplo, e se não fosse pelo talento e dinâmica do elenco, talvez ficasse forçado, mas o que, felizmente, não ocorre aqui.

Bem realizada, essa cinebiografia foge dos padrões e cria algumas belas rimas como a dança do personagem principal em um plano aberto em seu início e em seu final. Em tempos em que expressões como “cidadão de bem” estão em evidência, não deixa de ser interessante vermos um personagem assim, como ele mesmo enfatiza, de boa família, com uma situação financeira confortável, ser capaz das maiores atrocidades sem motivação aparente. E como “O Anjo” deixa claro: mesmo cometendo assassinatos sem remorso e a sangue-frio, Carlitos ainda ganhou um fã clube em seu país muito por conta claro de sua aparência angelical.