Makoto Shinkai tem um jeito único de contar histórias: ele se baseia na concepção de tempo oriental para falar de amadurecimento. Por meio de narrativas simples, suas produções mostram como o tempo – mais do que a distância – é um catalisador para os relacionamentos. Em “O Tempo Com Você”, o diretor utiliza a questão climática para abordar a conexão entre Hodaka e Hina.

Embora eu goste de sua filmografia e o considere um dos melhores diretores de anime em atividade, “O Tempo com Você” soa como um primo distante e menos avantajado de “Your Name”. Shinkai acaba repetindo as mesmas discussões que já foram introduzidas em sua produção anterior como a mitologia nipônica, a dicotomia entre a cidade e a zona rural, além do romance adolescente que ultrapassa barreiras.

Acompanhamos Hodaka, um adolescente de 16 anos que foge de casa, no interior, para morar em Tóquio. O personagem idealiza a cidade e, quando a conhece de verdade, percebe o quão assustadora a metrópole pode ser. Carente emocionalmente, tudo que ele almeja é alguém em que pode confiar, o que encontra em Hina, a garota sol. Juntos precisam salvar Tóquio das constantes chuvas que caem sobre a cidade, ameaçando inundá-la.

Cidade versus o campo

Na primeira vez que contempla Tóquio, Hodaka afirma que a cidade é assustadora. Vemos uma metrópole acinzentada, dominada pela chuva constante, pela poluição visual e por pessoas frias e distantes. Há uma imersão de símbolos não orientais como a lanchonete em que os dois se encontram e a arquitetura do prédio em que fica o portal para outra dimensão. Tal escolha do roteirista aponta como a presença ocidental vem influenciando na transformação social de Tóquio.

É possível acompanhar essas mudanças por meio do paralelismo entre as tradições orientais e a modernização. Enquanto nenhuma ação tecnológica consegue diminuir as chuvas, a salvação da cidade se encontra em mitos e na crença de pessoas idosas descredibilizadas pelos mais novos. Esse é um dos motivos, por exemplo, que “O Tempo com Você” se debruça em acompanhar dois adolescentes e centralizar as ações neles, para evidenciar a importância da continuidade aos mitos e crenças. Shinkai se preocupa mais em construir essa atmosfera do que no romance propriamente dito, tanto que eles se apaixonam apenas uma hora depois de iniciada a projeção.

Outro ponto que endossa a problemática da modernização é a presença policial na trama:  em vez de apurar os fatos, a polícia opta por defender o que lhe pode conferir mais poderes e funciona como uma peça de separação familiar, um elemento importante na tradição nipônica. No entanto, esse fator soa como o lado mais fraco de “O Tempo com Você”, já que ele apenas cumpre seu papel, sem expandir a discussão para novas perspectivas.

Rimas Visuais e Referências

Shinkai consegue inserir o público em Tóquio ao ponto de ser possível sentir as gotas de chuva caírem sobre si. Seu desenho passa uma sensação palpável e realista da cidade. Ele se debruça em captar detalhes da chuva encontrando o solo e dos raros raios de sol. O que contribui para isso também é a trilha sonora. Tanto as músicas que soam como um complemento aos diálogos e emoções dos personagens quanto ao som sintetizado que emula as batidas do coração, por exemplo.

É possível perceber nessa construção, no entanto, referencias as produções anteriores. Como a cena em 180® no alto do prédio que faz uma rima visual com “Your Name” e “Um Lugar Prometido em Nossa Juventude”. E até mesmo na própria trama que utiliza o clima como junção aos dois amantes assim como em “O Jardim das Palavras”.

“O Tempo com Você” é um filme bem mais simples que as outras produções de Shinkai. Embora aborde a importância do resgate as tradições, o filme não evolui para um contexto maior como suas outras produções apontavam. Infelizmente, ele soa como mais uma repetição de tudo que já fora visto na filmografia do mangaká. Talvez seja o momento de ser mais ousado e visceral. Resta-nos acompanhar o que vem por aí.

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