Em meio a tantas produções de gosto duvidoso nos últimos anos em seu catálogo, não deixa de ser animador encontrarmos, eventualmente, alguns bons lançamentos na Netflix. “Meu Nome é Dolemite” foi uma novidade positiva em outubro e, agora, “Pássaro do Oriente” cumpre a cota de novembro. O novo filme do streaming é charmoso, tem um elenco competente e entrega um bom suspense.
Baseado no livro “Delito Sem Provas”, escrito por Susanna Jones, “Pássaro do Oriente” se passa no final dos anos 1980 e acompanhamos Lucy Fly (Alicia Vikander), uma tradutora vivendo no Japão para fugir do passado. A protagonista conhece a garçonete Lily (Riley Keough) e o fotógrafo Teiji (Naoki Kobayashi), iniciando um estranho relacionamento com o rapaz e se sentido, ao mesmo tempo, atraída e incomodada por Lily. Tudo vira de cabeça para baixo quando sua nova amiga desaparece e ela se torna suspeita de um suposto assassinato.
Vencedora do Oscar por “A Garota Dinamarquesa”, Alicia Vikander se destaca ao transmitir toda a personalidade disciplinada da tradutora através de pequenos atos, como, por exemplo, arrumar as roupas e amarrar o cabelo. Esse estilo metódico também se dá na inserção de Lucy ao Japão, seja visitando monumentos ou no interesse da cultura e história local.
Por tudo isso, não deixa de ser justificado a decepção e frustração da personagem ao se dar conta de que está perdendo o controle de algo que ela tinha certeza que já estava morto no passado. Isso aliado à sua desconfiança e ciúme passam a sufocá-la não importa onde esteja. O simbolismo da morte, do sentimento de culpa de seu passado – os grandes fardos da personagem – só alimentam uma melancolia bem construída pelo diretor e roteirista Wash Westmoreland (“Para Sempre Alice”) junto com a trilha de Atticus Ross (“A Rede Social”).
INTENSO JOGO SEDUTOR
A relação da protagonista com Lily e Teiji também cria um interesse jogo de mistério e sedução em “Pássaro do Oriente”. Inicialmente uma amizade, os personagens de Vikander e Kobayashi desenvolvem uma tensão sexual crescente apenas com poucos diálogos e troca de olhares. Não apenas a beleza dele a atrai: a sinceridade e aparente falta de timidez, tão tradicional nos jovens japoneses, a conquistam.
A forma como o desejo, admiração, dependência crescem faz até mesmo ela sugerir tolerar abusos, que automaticamente, são descartados pelo rapaz. “Não, você não quer”, responde repreendendo a moça de maneira doce.
Já Lily traz um paralelo com os terremotos que sacodem “Pássaro do Oriente” regularmente. Imprevisível, ela chega ao Japão sem saber o idioma e conquista por sua espontaneidade em meio à desorganização, algo completamente oposto à Lucy. Talvez isso fascine tanto a protagonista.
Instigante e bem construído, “Pássaro do Oriente” pode até cair em determinados clichês, porém, acaba por ser uma boa surpresa no catálogo da Netflix.