O Amazonas é repleto de lendas folclóricas, oferecendo um potencial inestimável para produções culturais. Aproveitando essa bagagem regional que Izis Negreiros (“Santo Casamenteiro“) escreveu e dirigiu “Príncipe da Encantaria”.
A produção é inspirada em uma das lendas mais populares da região: o boto cor de rosa. O que Negreiros faz é ampliar a visão que se tem do conto, trazendo outros elementos folclóricos para enriquecer a trama e a experiência visual do espectador. O curta-metragem, desse modo, reforça o imaginário e o realismo fantástico muito presente na literatura amazonense.
“Príncipe da Encantaria” acompanha uma avó e sua neta que passeiam pela praia e observam o rio. A senhora narra para a criança à história de Benito e Manu. Enquanto isso, as imagens intercalam entre a caminhada das duas e a narrativa contada em formato de animação. E é neste ponto que encontramos os melhores momentos da produção, os quais, entretanto, vêm acompanhados das falhas pontuais do filme.
Expansão visual da lenda
Visualmente “Príncipe da Encantaria” é belíssimo. Os planos utilizados na animação nos fazem mergulhar nas profundezas de um Solimões de tonalidade alaranjada. No primeiro momento, isso pode ser estranho. Mas a coloração do rio remete tanto ao que se enxerga ao mergulhar de olhos abertos quanto ao pôr-do-sol na Amazônia.
Tal decisão é simbólica para a narrativa, afinal a escolha pela cor quente conduz a lembrança do calor encontrado na região. É possível notar como “Príncipe da Encantaria” explora isso, por exemplo, com a presença desse elemento visual em praticamente todas as cenas.
Como já foi dito, há muita beleza e bagagem cultural na animação. Isso se torna palpável quanto entramos em “Príncipe da Encantaria” e vemos que a figura dos cidadãos são os dos nossos mitos e lendas, abrindo espaço, para que se Negreiros quiser explorar um multiverso amazônida no futuro, seja plausível.
Som problemático
Ao desenvolver a lenda, o roteiro é cuidadoso em apresentar os personagens e seus dramas, no entanto, a montagem fragmentada torna a trama confusa e irregular. Parte disso se deve, também, ao fato de Manu e a neta serem interpretadas pela mesma atriz. Apenas no final da história é possível distinguir que não se trata do mesmo personagem. Acrescenta-se a isso a dificuldade de interpretação dos atores, ampliada na dublagem da animação que soa mais como uma leitura do que uma busca por características dos personagens.
Essa falha, no entanto, se torna mais perceptível à medida que se trava um duelo entre a dublagem e a trilha sonora, que se mostra presente na maior parte da projeção e impede em dados momentos – como a cena do encontro entre a Mãe das Águas e Benito – de compreender o diálogo que se trava. Isso prejudica bastante a experiência de assistir ao filme.
Apesar desses percalços, “Príncipe da Encantaria” consegue expor em linguagem acessível à cultura amazonense e aproveitar as lendas da região para construir um universo visual e reforçar o imaginário da região de forma humana e respeitosa.