Antes de tudo: a iniciativa da rede Cinépolis de realizar um festival de filmes “de arte” (isto é, fora do circuito Hollywood-Globo Filmes) em Manaus, e, ainda por acima, de acenar com um espaço permanente para esse “nicho” em sua programação, é digna de todos os elogios. Resta saber se o público manauara, às vezes tão empenhado, às vezes desgraçadamente apático, vai justificar a coragem da empresa.

Agora, o filme: Se Fazendo de Morto é uma produção francesa, país que andou tendo um bom espaço nas telas locais, sobretudo em 2013, com o saudoso Festival Varilux. Misturando comédia com um insólito enredo policial, o filme se apoia na agilidade da direção de Jean-Paul Salomé (O Fantasma do Louvre), bem como na energia nervosa do protagonista, o belga François Damiens.

Jean Renault (Damiens) é um ator talentoso, vencedor do César (o Oscar do cinema francês), mas de um perfeccionismo que chega às raias da maldade para com seus colegas de cena. Acossado pela pobreza, ele topa se submeter a um “bico” humilhante: interpretar uma das vítimas de um assassinato, na reconstituição feita pela justiça em um charmoso vilarejo alpino.

Hiperativo, sem papas na língua, Jean bate de frente com a juíza Noémie (Géraldine Nakache), e a tensão profissional e sexual entre os dois irá impulsionar o restante da trama – que dá uma virada surpreendentemente sombria no terço final, antes que o tom leve do início devolva tudo a seus lugares.

Inspirado numa história real, que o diretor e roteirista Salomé leu num jornal – sobre atores que trabalham em investigações policiais –, Se Fazendo de Morto é, antes de tudo, uma sátira despretensiosa à enorme pretensão dos artistas. Também flui de forma agradável, com suas lindas paisagens de neve e bosques, apesar da repetição insistente de algumas piadas – o trocadilho entre o nome do fracassado Renault e o célebre Jean Reno cansa – e dos erros no tom de algumas sequências, como no apressado e ineficaz clímax, onde se revela o verdadeiro assassino, que mais parece saído de uma ópera-comique.

No mais, porém, um filme simpático e eficiente, refeição ligeira, com um feliz tempero truffautiano, e ainda por cima com vista para os Alpes franceses.