Que a idade não é impeditiva para grandes diretores seguirem fazendo trabalhos excelentes a cada ano não é novidade – Manoel de Oliveira e Martin Scorsese, talvez, sejam os casos mais exemplares nos anos 2010. Porém, aos 81 anos, Geraldo Sarno, figura fundamental para o audiovisual brasileiro por conta de obras como o clássico documentário “Viramundo” e a participação nas Caravanas Farkas, consegue realizar em “Sertânia” uma obra capaz de ser uma reflexão sobre o seu próprio trabalho no cinema assim como das agruras do homem do sertão marcada pelos mais diversos tipos de excessos a desafiarem a sua dignidade. 

Sucesso no meio cinéfilo e da crítica de cinema desde a primeira exibição no Festival de Tiradentes deste ano e selecionado para a edição online do Festival Olhar de Cinema, “Sertânia” acompanha o martírio do cangaceiro Antão (Vertin Moura). Baleado, ele luta pela vida em plena aridez do serão nordestino enquanto delira entre o passado de garoto órfão com a mãe e a entrada no bando de Capitão Jesuíno (Júlio Adrião), o imaginário e o futuro. 

“Sertânia” carrega em sua essência estética toda a violência das condições extremas naturais e sociais do sertão nordestino: o sol inclemente, superexposta na fotografia em preto e branco, ilustra a corrosão de uma sociedade em que os privilégios coexistem de maneira abjeta e sem vergonha diante da fome de grande parte da população. A câmera sempre na mão destaca ao extremo a aridez do solo e galhos secos, ao mesmo tempo, em que o contraste dela fica nas passagens lentas e calmas para mostrar os rostos em detalhes dos habitantes da região, pessoas cansadas, sofridas e à espera de um milagre, vindo de um Deus sempre ausente, mas, que acaba sendo a única forma de tolerar o abandono e desalento.  

A jornada em delírio de Antão permite ao próprio Sarno refletir sobre a própria trajetória dele no cinema brasileiro e o sertão, foco de seu trabalho ao longo de seis décadas. Da óbvia influência de Glauber Rocha e do Cinema Novo passando pela delicadeza de Guimarães Rosa presente sutilmente até a ‘participação especial’ do Coronel Delmiro Gouveia, personagem histórico que a vida contada pelo diretor em filme de 1978, “Sertânia” aponta para um triste ciclo repetitivo de autoritarismo, ganância e interesses escusos prevalecendo sobre quem luta por melhorias sociais na região. A bala ou a faca é o caminho para todos que desejam, pelo menos, um sertão sem fome, porém, a viagem no tempo da reta final, mostra que haverá sim resistência até o fim. 

E é justamente aí que “Sertânia” e Geraldo Sarno deixam sua mensagem para a atual e futuras gerações do cinema brasileiro: ser instrumento para olhar para os desfavorecidos desta realidade brasileira cruel e denunciar os abusos sociais sempre.