Quando Adam McKay lançou “A Grande Aposta” em 2015, este se tornou um dos melhores exemplares sobre o universo de Wall Street. Com uma estética própria, levando ao espectador o ambiente acelerado e caótico dos agentes de bolsas de valores, o filme indicado ao Oscar conseguia discutir as ideias a partir de sua técnica. Infelizmente, o mesmo não é visto em “The Hummingbird Project”, dirigido e roteirizado por Kim Nguyen.

Apesar de terem de estilos distintos, é possível verificar um esforço de Nguyen em apresentar recursos visuais semelhantes ao que fazia “A Grande Aposta”. Porém, aqui, feitos sem muita criatividade. “The Hummingbird Project” apresenta os irmãos Vincent (Jesse Eisenberg) e Anton Zaleski (Alexander Skarsgård), funcionários de uma empresa que cuida de ações na bolsa de valores de Nova York. Ambiciosos, os dois resolvem se demitir e começam um novo empreendimento: construir um cabo de fibra ótica, superior à concorrência, entre a Bolsa de Valores do Kansas e a de Nova York. Caso consigam ser bem-sucedidos, isso os fará ter uma grande vantagem nos negócios, tornando-os milionários.

O tempo é um fator determinante no universo dos personagens principais. Quanto mais rápido realizarem seus negócios, mais dólares recebem. Enfim, é a máxima do “tempo é dinheiro”. O problema de “The Hummingbird Project” surge justamente de tentar e não alcançar de forma satisfatória essa questão, debruçando-se em um roteiro básico que não apresenta nenhuma surpresa ao espectador em seu desenvolvimento.

Números e mais números ocupam as relações entre Vincent e seu irmão Anton, porém, o texto de Kim Nguyen prefere apostar em falas alongadas e rápidas de Eisenberg e na timidez do personagem de Skarsgård para dar ênfase em seus discursos. A comédia, que deveria surgir desses momentos, não aparece e o longa fica em um constante prolongamento de assuntos desinteressantes. O roteiro até inclui momentos de virada para os irmãos Zaleski, mas eles não recebem o aprofundamento necessário para haver uma empatia com o que vai acontecer com os dois.

Não é só na questão do roteiro que “The Hummingbird Project” deixa a desejar, visto que a fotografia se prende em planos e composições padrões, além de uma montagem bastante irregular em algumas sequências. Por exemplo: boa parte das ações do filme ocorrem de forma normal, sem interrupções na montagem. Porém, em cenas voltadas para alguma descoberta de Anton o filme inclui cenas em câmera lenta. Essas inserções além de serem confusas, remetem a uma metáfora muito óbvia sobre a preciosidade do tempo para seus personagens, sendo, portanto, soluções sem criatividade para o desenvolvimento do filme.

BOAS PROPOSTAS FICAM PELO CAMINHO

É possível notar uma boa intenção na história de “The Hummingbird Project”. Ao contar com um elenco bastante diverso e personagens de origem hispânica e negra em posições de poder em sua história, Kim Nguyen busca apresentar, em alguns momentos, sobre o preconceito derivado da cultura norte-americana em torno do capital. Isso é visível em uma troca de falas entre um proprietário de terra branco e “americano” que segue à risca a cultura do dinheiro e um personagem de origem hispânica, também “americano”, que é destratado pelo proprietário, apenas por seu tom de pele.

Em outro momento, Anton é questionado por uma garçonete se o retorno financeiro na casa dos milhões que os acionistas tanto especulam, irão chegar para plantadores de limão, em um caso hipotético discutido entre os dois. O personagem de Skarsgård diz de forma natural que não, pois, estes não estão nem sequer incluídos neste sistema financeiro. Os resultados dessa discussão depois se tornam um dilema para Anton, mas, como boa parte do que acontece em “The Hummingbird Project”, é apenas desperdiçado.

São visíveis as críticas ao modelo capitalista e ao sistema de bolsa de valores, voltado apenas para o lucro de poucos. É interessante também como Kim Nguyen tenta incluir no roteiro a forma como o capitalismo se impregna na cultura de uma nação e perpetua ainda problemas derivados como exclusão e preconceitos sociais. O problema é mesmo a falta de criatividade para transformar “The Hummingbird Project”, de fato, um filme mais atrativo.

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